CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO
A epidemia do HIV/aids no Brasil é um fenômeno
de grande magnitude e extensão. Entre 1980
e junho de 2006 foram identificados 433.067
casos1. Houve crescimento acelerado no número
de casos até o ano de 1998, quando se passa a
verificar uma desaceleração. De 2002 a 2005 foram
identificados, em média, 35.000 casos/ano,
com taxa média de incidência de 19,4 por 100
mil habitantes. Estima-se que cerca de 600 mil
pessoas, entre 15 e 49 anos de idade, vivam com
HIV/aids no país.
Desde o início da epidemia, na década de 1980, a
aids tem sido um problema crítico de saúde também
entre gays, outros HSH e travestis. Apesar
das várias iniciativas e esforços para uma resposta
de maior impacto ao avanço da epidemia
junto a esses segmentos, há indicadores de que
a ocorrência de infecção pelo HIV persiste em
patamares elevados.
Em pesquisa realizada sobre atitudes e práticas
na população brasileira em 2004 (PCAP-BR)2,
a população de gays e outros HSH de 15 a 49
anos de idade foi estimada em 3,2%, representando
cerca de 1,5 milhões de pessoas. Com
essa estimativa de base populacional dos HSH foi
possível calcular a incidência de aids nesse segmento
que, em 2004, foi estimada em 226,5 por
100.000 HSH. Neste mesmo ano, a taxa de incidência
para a população geral foi de 19,5 casos
por 100.000 habitantes, indicando, portanto, que
a taxa de incidência para HSH3 é 11 vezes maior
à da população em geral.
Em estudo realizado entre os conscritos do Exército
do Brasil em 20024 , com a participação de
33.851 jovens de 17 a 21 anos, a análise por
subgrupo populacional mostra diferenças significativas
na prevalência do HIV, sobretudo, entre
HSH e aqueles com ensino fundamental incompleto.
Nessa pesquisa 2,8% dos informantes relataram
relações sexuais com homens e a taxa
de prevalência do HIV foi de 0,579% dentre os
HSH enquanto que na amostra total desse estudo
a mesma taxa cai para 0,088%.
Apesar do crescimento do número de casos de
aids relacionados à transmissão heterossexual,
não se observa a redução da transmissão do HIV
por meio de relações sexuais entre homens. Ao
analisar o Gráfico 1, nota-se que ocorreu uma
redução proporcional dos casos entre usuários
de drogas, mas não há redução significativa entre
HSH, desde o final dos anos 1990.
1 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Programa Nacional de DST e Aids. Boletim Epidemiológico –
Aids e DST. Ano III nº. 01 - 01ª à 26ª semanas epidemiológicas
- janeiro a julho de 2006. Secretaria de Vigilância em
Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasília: Ministério da
Saúde, 2006.
2 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Programa Nacional de DST e Aids. Pesquisa de Conhecimento,
Atitudes e Práticas na População Brasileira de 15 a 54 anos,
2004. Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de
DST e Aids. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
3 Para a estimativa da taxa de incidência de aids em Homens que
fazem Sexo com Homens (HSH) foi considerada a proporção de
HSH por região do Estudo PCAP - BR de 2004 e estimativas populacionais
do IBGE.
4 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Programa Nacional de DST e Aids. Pesquisa entre Conscritos do
Exército Brasileiro 1996-2002: Retratos do comportamento
de risco do jovem brasileiro à infecção pelo HIV. Secretaria
de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasília:
Ministério da Saúde. 2006.
Entre 2000 e 2005, a proporção de casos de aids
nesse grupo, em relação às demais categorias de
transmissão da doença entre homens, era cerca
de 40%. Este fato, somado aos dados comparativos
das taxas de incidência entre HSH e a
população em geral, evidencia o impacto da epidemia
entre gays, outros HSH e travestis, bem
como subsidia e indica a urgência da implantação
de uma política pública de enfrentamento do
HIV/aids junto a esses segmentos.
Ao analisar o percentual de casos de aids entre
gays, outros HSH e travestis por faixa etária,
mostra-se relevante a tendência de crescimento
proporcional entre os indivíduos de 13 a 19 anos
de idade, variando de cerca de 18% em 1990
para aproximadamente 40% em 2005. As faixas
etárias de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos
também apresentam tendência de crescimento
proporcional, porém menos acentuada. A partir
dos 30 anos de idade percebe-se queda percentual
de casos entre gays e outros HSH, sendo
que a queda mais acentuada é verificada na faixa
etária de 60 e mais anos, que varia de cerca
de 60% em 1990 para pouco mais de 20% em
Os resultados da Pesquisa de Conhecimento, Atitudes
e Práticas realizada pelo Ministério da Saúde
em 20042, voltada para a população geral, demonstraram
que 59,8% dos HSH reportaram uso
de preservativo na última relação sexual e essa
proporção cai para 43,3% entre os não HSH. Em
relação ao uso de preservativo na última relação
sexual com parceiro eventual, obteve-se um índice
de uso de 71% entre os não-HSH e de 81%
entre os HSH. Quanto ao uso regular de preservativo
com qualquer parceria, observou-se, com
relação a parceiro fixo, um uso de 26,8% em relação
aos não HSH e 38,9% em relação aos HSH.
No que se refere à parceria eventual, observou-se
o uso em 56,3% entre não-HSH e 65,8% entre
HSH. Conclui-se, pela pesquisa, que os HSH relatam
maior freqüência do uso do preservativo.
No que diz respeito à cobertura de testagem para
o HIV entre HSH, os dados da PCAP-BR de 2004
mostraram uma maior proporção de HSH testados
(33%), quando comparados aos homens que
fazem sexo exclusivamente com mulheres (21%).
Ressalta-se que esses índices, entretanto, são inferiores
aos observados em países que promoveram
estratégias de acesso universal ao diagnóstico
e ao tratamento, bem como à importância da
epidemia entre gays, outros HSH e travestis.
As doenças sexualmente transmissíveis têm
grande impacto na saúde da população mundial,
causando um ônus desproporcional na população
jovem de diversos países. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) estimou a ocorrência de dez a
doze milhões de novos casos de DST curáveis no
Brasil, por ano, abrangendo a faixa etária de 15
a 49 anos de idade. Foi comprovado que as DST
são co-fatores para a transmissão do HIV: estudos
demonstram que pessoas com DST não ulcerativas
têm um risco aumentado de 3 a 10 vezes
para a infecção pelo HIV, sendo que nos casos
de evolução com úlceras genitais esse risco pode
aumentar em até 18 vezes.5
Estudo conduzido pelo Prevention and Care
Program of the Chicago Departament of Public
Health demonstrou, em uma população acometida
por sífilis primária e secundária (1.582) durante
o período 1998 a 2002, que 32% expuseram-
se à infecção pela sífilis através da prática
de sexo oral. Particularmente entre gays e outros
HSH, 13,7% de casos de sífilis foi atribuída a esta
prática sexual. Os pesquisadores também observaram
que 75% dos HSH não usaram o preservativo
no sexo oral insertivo e receptivo nos últimos
60 dias.6,7
Embora pesquisas internacionais tenham demonstrado
grande relevância das DST neste segmento
populacional, os estudos realizados no
Brasil ainda são escassos para a compreensão
desta realidade entre gays, outros HSH e travestis.
8, 9
No estudo entre conscritos do Brasil foi encontrada
prevalência de sífilis de 0,85% entre os jovens
de 17 a 21 anos, sendo que ter tido sífilis foi o fator
que mais predispôs à infecção pelo HIV entre
a população estudada (OR-10,68).4
Componentes epidemiológicos, sociocomportamentais,
realização do exame clínico direcionado
para sinais e sintomas de DST, além de sorologia
para HIV, sífilis, hepatite B e C foram analisados
nos estudos Bela Vista e Horizonte. Em um total
de 466 voluntários atendidos, 244 relataram pelo
11
menos um episódio de DST. Em uma das ondas
do estudo, verificou-se que 17,7% da amostra
(n= 1043) apresentaram síndrome da úlcera genital.
Em outra onda do mesmo estudo (n= 989),
constatou-se que 16,3% tinham sífilis. Apesar do
elevado índice de informação, 40% dos voluntários
relataram ter tido em algum momento prática
sexual desprotegida, como penetração anal
sem preservativo; já 70% diziam desconhecer a
sua sorologia para o HIV.8
Uma pesquisa realizada sobre comportamento
sexual e cidadania junto à população de HSH
pela Universidade de Brasília9, demonstrou que
dos 465 participantes, 7,5% referiram algum sintoma
indicativo de DST nos últimos seis meses.
A prevalência de sintomas de DST foi maior entre
os informantes com 25 anos ou mais (9%), enquanto
que entre aqueles com menos de 25 anos
de idade a prevalência foi de 5,5%. Homens com
menor poder aquisitivo apresentaram maior prevalência
de sintomas de DST (9,7%), bem acima
da prevalência geral, mas não apresentaram significância
estatística, seja na idade ou classe econômica.
Nesse caso, é preciso considerar que a
população de HSH pesquisada foi eminentemente
de alta escolaridade (96,5%) e de inserção social
mais elevada.
Esse cenário de epidemia concentrada corrobora
e indica a necessidade de incentivar e ampliar
o conhecimento sobre o impacto do HIV/aids e
das DST junto aos gays, outros HSH e às travestis,
tanto quantitativa quanto qualitativamente.
Também indica a urgência de políticas públicas
capazes de produzir impactos significativos nas
dinâmicas da epidemia entre estes grupos populacionais.
5 Wasserheit JN. Epidemiological synergy: Interrelationships between
HIV infection and others STD. Sexually Transmitted Diseases;
19:61-77, 1992.
6 Wasserheit JN. Epidemiological synergy: Interrelationships between
HIV infection and others STD. Sexually Transmitted Diseases;
19:61-77, 1992.
7 Ciesielski, C; Tabidze, I; Brown, C. Transmission of Primary and
Secondary Syphilis by Oral Sex – Chicago, Illinois, 1998-2002. Morbidity
and Mortality Weekly Report. 53(41): 966-968, 2004.
8 Ministério da Saúde/Coordenação Nacional de DST e Aids. Bela
Vista e Horizonte: Estudos Comportamentais e Epidemiológicos
entre Homens que Fazem Sexo com Homens. Secretaria
de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids.
Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
9 BRASIL. Universidade de Brasília. Centro de Estudos Avançados
Multidisciplinares. Núcleo de Saúde Pública. Comportamento sexual
e cidadania junto à população de homens que fazem
sexo com homens do Distrito Federal. Brasília: UnB, 2005.
12
DESAFIOS PARA SUPERAÇÃO
DOS CONTEXTOS DE VULNERABILIDADE
A construção da sexualidade, suas expressões,
suas manifestações e seus mecanismos de interdições
são determinados socialmente e, portanto,
não podem ser explicados única e exclusivamente
pelo comportamento. A mudança do enfoque
de risco individual e biológico para um enfoque
estrutural, a partir da operacionalização do conceito
de vulnerabilidade, tornou-se referência
analítica e programática no campo da prevenção,
sobretudo, das ações junto aos gays, outros HSH
e às travestis.
Relações afetivas e sexuais entre pessoas do
mesmo sexo ocorrem em todas as culturas e em
todas as sociedades, embora nem sempre tenham
visibilidade e/ou reconhecimento público.
Os avanços obtidos em relação aos direitos sexuais
e sociais dos homossexuais e das travestis
são relativos e em muitos países há diferenças
marcantes no que se refere ao reconhecimento
desses direitos, existindo, ainda, práticas de exclusão,
criminalização e de violação de direitos
humanos.
O relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas
sobre HIV e Aids (UNAIDS) “Intensificando
a Prevenção ao HIV”, de junho de 2005, é enfático
em relação aos contextos de vulnerabilidade
dos gays, outros HSH e das travestis, indicando
que estratégias de prevenção fracassam quando
prevalecem restrições legais e programáticas
combinadas com preconceito e estigma. Tais circunstâncias
relegam esses grupos populacionais
à clandestinidade e à invisibilidade, dificultando o
acesso aos serviços de saúde e às ações de prevenção.
Conseqüentemente, avanços no campo
da promoção da saúde junto aos gays, outros
HSH e às travestis estão diretamente relacionados
com a eliminação dessas restrições.
Os contextos de vulnerabilidade que determinam
ou tornam gays, outros HSH e travestis mais suscetíveis
à infecção pelo HIV e doenças de transmissão
sexual não se resumem exclusivamente
às dimensões individuais e comportamentais.
Existem outros fatores que também merecem
atenção dos profissionais, gestores e gerentes
do setor saúde, entre os quais estão a violência
e o preconceito, as redes de interação que se
estabelecem no plano da cultura sexual e suas
relações com o uso de drogas, os espaços e pontos
de encontros tradicionais e não-tradicionais.
Os esforços de prevenção devem, portanto, ser
concebidos de maneira a respeitar essas e outras
diferenças de identidade e práticas sexuais existentes
entre gays, outros HSH e travestis, bem
como os contextos de exclusão e violência que
as determinam. Da mesma forma, é importante
que a superação dos contextos de vulnerabilidade
amplie e fortaleça o envolvimento desses
grupos populacionais e das pessoas que vivem
com HIV/aids nas ações de promoção da saúde e
prevenção das DST/HIV.
Neste Plano são descritas algumas das dimensões
e elementos que aumentam a vulnerabilidade de
gays, outros HSH e travestis frente à infecção
pelo HIV e DST, visando identificar as dimensões
dos contextos de vulnerabilidade e, conseqüentemente,
definir e aprimorar ações que possam
transformá-los.
13
Homofobia e Transfobia
A homofobia e a transfobia têm sido apontadas
como elementos estruturantes da vulnerabilidade
de gays, outros HSH e travestis. Elemento derivado
da cultura machista, sexista e heteronormativa,
ainda hegemônica na sociedade, acompanha
os sujeitos em toda sua vida. A homofobia e a
transfobia revelam-se, geralmente, na convivência
familiar desencadeando uma seqüência de
barreiras a serem superadas. O efeito desses elementos
negativos para a auto-estima, as dificuldades
na sociabilidade e a hostilidade na escola
resultam, normalmente, na exclusão do convívio
familiar e na descontinuidade da educação formal,
projetando, entre outras, grandes dificuldades
para a qualificação e entrada no mercado de
trabalho. Ao estigma e à discriminação associamse
situações de vida vinculadas à clandestinidade,
a um maior grau de vulnerabilidade e risco para
diferentes tipos de situação e à marginalização.
Os “guetos” que se estabelecem a partir desses
contextos tornam-se espaços de acolhimento e
inclusão e, simultaneamente, espaços produtores
de subculturas de resistência e diversidade.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre
HIV/Aids (UNAIDS) também reconhece que a homofobia
e a transfobia são fatores de vulnerabilidade
à infecção pelo HIV para a população de
gays, outros HSH e travestis, e reforça a compreensão
de que a homofobia e a transfobia se interrelacionam,
necessariamente, com outros mecanismos
de discriminação estruturantes da nossa
sociedade, como aqueles assentados no sexo e
gênero (por exemplo, o machismo e a misoginia),
nas questões relativas à raça/etnia ou ainda em
fatores relativos à situação socioeconômica.10
A exclusão ou a convivência hostilizada, associadas
a uma perspectiva negativa de auto-imagem
– originada pela baixa auto-estima ou aquela
criada e fortalecida equivocadamente pelos meios
de comunicação e religiões – expõe os gays, outros
HSH e as travestis à falta de segurança e à
violência em todas as suas formas. A principal
característica da violência vivenciada por esses
grupos populacionais tem sido a agressão física
resultando em morte, representando medidas
extremas de intolerância e de discriminação.
Os casos de violência física e crimes praticados
contra os gays e outros HSH e as travestis, permanecem
efetivamente sem mecanismos de prevenção
ou punição. Esse é, portanto, o quadro
mais freqüentemente mencionado como um dos
principais fatores de vulnerabilidade às DST/aids
entre esses grupos populacionais.
10 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS.
Guia de Ações Estratégicas para Prevenir e Combater a
Discriminação por Orientação Sexual e Identidade de
Gênero – Direitos Humanos, Saúde e HIV. Brasília, 2007.
14
Negação do direito à livre orientação
sexual e a múltiplas identidades
Um importante elemento também relacionado
a essa dimensão social da vulnerabilidade dos
gays, outros HSH e das travestis é a negação
imposta, especialmente pela cultura heteronormativa,
ao direito à livre orientação sexual e às
múltiplas identidades de gênero. Essa realidade,
vivenciada pela maior parte das pessoas pertencentes
a esses grupos populacionais, opera concretamente
sobre o direito de livre expressão e
manifestação da sexualidade e da identidade de
gênero como direito de cidadania.
O desconhecimento sobre as questões que envolvem
as diferenças entre sexo e gênero somado
ao elevado grau de estigma e discriminação presentes
na sociedade e à banalização da homossexualidade,
travestilidade e transexualidade são
elementos que agregam maior relevância a essa
dimensão da vulnerabilidade social dos gays, outros
HSH e das travestis.
Os significados sobre sexo, gênero e sexualidade
vigentes em nossa sociedade, e também nos
serviços e programas de saúde, são usualmente
concebidas a partir de condicionantes biológicos
e naturais, sem considerar as dimensões históricas,
sociais e culturais que dão sentido a estas
realidades. A equivocada vinculação das identidades
e práticas sociais de gays, outros HSH
e travestis a determinantes biológicos produz,
necessariamente, um quadro de não-reconhecimento
da diversidade existente nestes segmentos
populacionais, o que configura mais uma situação
de vulnerabilidade destas populações. O
reconhecimento das identidades sociais é fator
fundamental para a efetividade das estratégias
de prevenção ao HIV e DST.
Dificuldades de acesso ao diagnóstico,
aos insumos de prevenção
e ao tratamento das DTS e
aids
O contexto de vulnerabilidade social se reproduz
e se retroalimenta em diferentes contextos institucionais,
especialmente nas áreas de educação,
segurança pública, trabalho e saúde. Nesta última,
a ausência de programas de saúde integral,
a inadequação estrutural dos programas e
serviços existentes e as abordagens orientadas
por percepções equivocadas e baseadas em estereótipos,
resultam em maiores dificuldades de
acesso, qualidade e abrangência dos serviços
de saúde, acompanhado de um previsível afastamento
desses grupos das ações de cuidado e
promoção da saúde. Um exemplo clássico desse
fato se relaciona com as travestis que vivenciam
cotidianamente os inúmeros efeitos dessa realidade,
originando uma cultura de automedicação
e de utilização de silicone e hormonioterapia de
15
maneira clandestina. Paradoxalmente, a dimensão
da visibilidade em termos de identificação
da orientação sexual e de gênero – sobretudo,
quando associada aos contextos de vulnerabilidade
institucional – corresponde, também, a
uma invisibilidade em termos de conhecimento,
dados e inserção social.
O acesso dificultado aos serviços saúde tem reflexo
negativo imediato na adoção de práticas sexuais
mais seguras, na busca da testagem e na baixa
adesão ao tratamento. Situação que persiste
apesar do direito ao acesso universal e eqüitativo
ao SUS, preconizado pela Constituição Brasileira.
Apesar de estudos demonstrarem o aumento
da cobertura do teste anti-HIV para gays, outros
HSH e travestis, ela ainda é insuficiente para uma
resposta adequada à extensão da epidemia entre
estes grupos. Tal fato também repercute negativamente
no dimensionamento e conhecimento
do impacto da epidemia nesses grupos populacionais
e na busca de serviços de saúde.
No que diz respeito ao acesso aos insumos de
prevenção, sobretudo, preservativos masculinos
e gel lubrificante, geralmente as diretrizes, a operacionalização
da distribuição nacional e local, e
o acesso, não correspondem às reais necessidades
dos gays e outros HSH e das travestis. Tal
descompasso, que necessita ser ajustado, se
confronta também com mecanismos burocráticos
e pouco eficientes em relação à dispensação
desses insumos, criando ou reforçando barreiras
para o vínculo entre esses grupos populacionais,
os serviços de saúde e as práticas de prevenção
do HIV/DST.
O adoecimento e o comprometimento da saúde
mental, ocasionado pelo estigma e discriminação,
a fragilidade e descompasso entre o conhecimento
sobre DST/HIV/aids e a adoção de práticas sexuais
mais seguras, a não percepção ou negação
da vulnerabilidade ao HIV e às DST e o preconceito,
associado ao viver com HIV/aids, são fatores
que levam ao conseqüente afastamento das
ações de prevenção e de promoção à saúde.
Drogas e seu impacto nos processos
de prevenção
O consumo de álcool e outras drogas também
pode ser considerado um fator de vulnerabilidade
ao HIV entre gays, outros HSH e travestis. Há
necessidade de se conhecer os padrões específicos
de consumo destas substâncias, sobretudo
as substâncias recreacionistas relacionadas com
as práticas sexuais.
Os espaços de sociabilidade tradicionais e nãotradicionais
destas populações são marcados
pela expressão e vivência da sexualidade. Nesse
sentido, álcool e outras drogas são empregados
como facilitadores dos relacionamentos. Possivelmente,
o álcool seja a droga mais comumente
empregada nestes contextos, mas tem sido
relatado o uso de drogas recreativas (ecstasy,
crystal, speed, ice, poppers, viagra) e de crack
em alguns destes espaços. Nestes contextos, o
fator de desinibição produzido pelo consumo de
drogas pode estar ligado a um engajamento em
práticas sexuais sem uso do preservativo.
16
Especificamente entre as travestis, a injeção de
silicone líquido de maneira doméstica sem os devidos
cuidados com a aplicação e com a qualidade
da substância aplicada, bem como o emprego
sistemático de hormonioterapia sem orientação
médica e muitas vezes com compartilhamento
de seringas e agulhas, constituem importantes
fatores de vulnerabilidade ao HIV para os quais é
necessário o desenvolvimento de estratégias específicas
de prevenção.
Também é importante mencionar o uso de anabolizantes
entre grupos de homens gays. Este uso
é muitas vezes realizado de maneira clandestina,
com compartilhamento de seringas e agulhas.
Esses novos contextos de uso e o escasso conhecimento
acerca destas questões nestes grupos
populacionais são desafios a serem enfrentados
por este Plano, de modo a reverter os cenários
de vulnerabilidades que atingem estes grupos.
1
DIRETRIZES
1. Garantir o respeito aos direitos humanos e
sexuais de gays, outros HSH e das travestis,
combatendo qualquer prática de estigma e
discriminação.
2. Garantir o respeito à diversidade sexual e de
gênero, incluindo essa abordagem em todas
as ações da resposta nacional de enfrentamento
do HIV e das DST realizadas no País.
3. Promover a universalidade e a eqüidade no
acesso de gays, outros HSH e das travestis
aos serviços e ações de saúde em todas as
esferas de gestão e níveis de atenção do
SUS.
. Garantir a intersetorialidade e a transversalidade
na formulação e execução deste Plano
promovendo, entre outras, alianças estratégicas
entre governo e o movimento dos homossexuais,
das travestis e de luta contra a
aids.
. Garantir, nas três esferas de gestão do SUS,
o funcionamento efetivo de instâncias de
interlocução entre governo e movimentos
sociais, desenvolvendo e difundindo instrumentos
que favoreçam o controle social das
ações voltadas para a redução dos contextos
de vulnerabilidade às DST/aids entre gays,
outros HSH e as travestis.
. Estimular e ampliar, nas três esferas de gestão
do SUS, a participação efetiva da socie-
OBJETIVO GERAL
Enfrentar a epidemia do HIV/aids e das DST entre gays, outros HSH e travestis, por meio da redução
de vulnerabilidades, estabelecendo política de prevenção, promoção e atenção integral à saúde.
dade civil em processos de defi nição e implantação
de estratégias para a redução dos
contextos de vulnerabilidade de gays, outros
HSH e travestis, aprimorando mecanismos
existentes para fi nanciamento de projetos
voltados a esses segmentos e para a articulação
dessas ações com as da rede pública
de saúde.
. Fundamentar as ações realizadas pelo governo
e pela sociedade civil no desenvolvimento
de novas abordagens e tecnologias
de promoção à saúde e comunicação, em
experiências bem-sucedidas nessas áreas,
no conhecimento acumulado sobre gênero,
sexualidade, vulnerabilidades e redução de
danos e na metodologia de educação por
pares.
. Incorporar a diversidade relacionada aos
gays, outros HSH e às travestis como base
do desenvolvimento de ações para a redução
das vulnerabilidades às DST e aids, considerando
aspectos identitários, religiosos,
de práticas sexuais, de fase de vida, étnicos,
sociais, de status conjugal e de status sorológico,
entre outros.
. Incorporar nos processos de gestão das
ações para a redução das vulnerabilidades
executadas nas três esferas de governo e
pela sociedade civil, procedimentos e instrumentos
que garantam a transparência e a
disponibilidade de informações sobre recursos
fi nanceiros
Nenhum comentário:
Postar um comentário