domingo, janeiro 17, 2010

JUSTIÇA


União gay já é realidade em Goiás
Justiça goianiense reconhece 170 relacionamentos homoafetivos na Capital nos últimos quatro anos. Em 2009, a quantidade de ações ajuizadas desta natureza oscilou, ao todo, entre dez e 15 por mês nas Varas de Família da Capital. Número é ainda maior se somado aos casos registrados em cartórios. Em apenas um, foram 20 desde 2007
17/01/2010




Diário da Manhã
www.dm.com.br
Danilo BUeno

A família brasileira, aquela formada, em sua maioria, pelo homem e pela mulher, não é mais a mesma. Desde o início do século 21, um novo perfil de união é reconhecido pela Justiça: a instituição civil entre pessoas do mesmo sexo. Em Goiânia, nos últimos quatro anos, aproximadamente 170 pedidos oficiais de relação homoafetiva foram deferidos pelos tribunais. Em 2009, o número de ações ajuizadas desta natureza variou, ao todo, entre dez e 15 por mês nas Varas de Família da Capital.
A maioria dos pedidos é protocolada por casais do sexo masculino. Eles têm idade acima de 35 anos e vida econômica estável. O número de uniões homoafetivas pode ser ainda maior se somado aos casos registrados em cartórios. De sete estabelecimentos pesquisados pelo DM, o Cartório Francisco Taveira de Registro Civil, 4ª Zona, no Centro, torna-se referência em declaração de reconhecimento de união homoafetiva.
Segundo a atendente de cartório Magna Belo, cerca de 20 casais já tiveram a relação reconhecida desde 2007. A maioria das escrituras é do sexo feminino. Magna explica que o critério para a declaração é simples: basta os interessados comparecerem no cartório com a carteira de identidade e CPF, além de certidão de divórcio, no caso de separação. A Lei nº 11.441/2007 permite que a separação, o divórcio e o inventário por via administrativa sejam realizados em cartório.
No Brasil, não existe lei que disponha sobre a união homoafetiva. Juízes fazem uso da analogia, com base no artigo 1.723 do Código Civil, que trata da união estável, e também do artigo 226 da Constituição Federal, que descreve sobre a família, e aplicam à união homoafetiva as mesmas regras da união estável.
A juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões, Maria Luiza Póvoa Cruz, explica que, embora a união entre pessoas do mesmo sexo não esteja contemplada de forma expressa na Constituição, ela entende que o princípio maior da dignidade da pessoa humana e o princípio da fraternidade, além do artigo 226 da Carta Magna, autorizam a união entre pessoas do mesmo sexo tal como a união estável. “Cidadania, fraternidade e afeto são as palavras de ordem no Direito de Família. Embora não haja legislação nem dispositivo constitucional que amparem a união homoafetiva, a jurisprudências e a doutrina vêm reconhecendo essa união como entidade familiar.” Segundo a magistrada, a união homossexual pode ser dissolvida judicialmente, ou nos cartórios.



Decisão do Supremo sai este ano
O Supremo Tribunal Federal (STF), a corte suprema do Poder Judiciário no País, deve analisar ainda no primeiro semestre deste ano o pedido do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, para que seja aplicada à união homoafetiva o mesmo regime jurídico das relações heterossexuais. A Procuradoria-Geral da República também entrou com pedido para que a união entre pessoas do mesmo sexo seja reconhecida como entidade familiar.
Levantamento realizado pelos Tribunais de justiça e divulgado em agosto do ano passado mostrou que nove Estados brasileiros possuem jurisprudências favoráveis em primeira ou segunda instâncias para uniões homossexuais. São eles: Rio Grande do Sul, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Distrito Federal, Acre, Piauí, Mato Grosso e Alagoas.

Em Goiás
Em Goiás, a primeira decisão reconhecendo a união entre pessoas do mesmo sexo aconteceu em 2006 e favoreceu um casal do sexo masculino. A sentença inédita foi deferida pela magistrada Maria Luiza Póvoa Cruz.
Ela entendeu que vínculos afetivos de ordem duradoura e contínua não negam diferença sexual e devem ser respeitados, conforme o princípio maior do Direito: o da dignidade da pessoa humana.
A média é de 90 dias para que a Justiça analise o pedido homoafetivo. O julgamento da ação é rápido, devido à ausência de conflito entre as partes.



“Queremos os mesmos direitos dos heterossexuais”
A assistente de projetos sociais Rita de Cássia de Araújo (esq.), 43, e a operadora de caixa Wânia Lúcia da Silva, 31, moram juntas há 17 anos. Elas se conheceram em São Paulo e afirmam que a relação foi amor à primeira vista. “Na hora que vi a Wânia, disse logo: ‘Você é minha.’ E ela respondeu bem séria: ‘Você ficou doida?’ Faltavam três meses para ela se casar e eu lutei por esse amor”, revela Rita. Hoje, o casal mora em Goiânia. Elas ainda não oficializaram o pedido de reconhecimento da união homoafetiva na Justiça. Aguardam uma lei que garanta aos homossexuais o direito de igualdade. “Não queremos apenas autorização para nos unir, mas os mesmos direitos que gozam os heterossexuais. Gostaríamos de ter a liberdade de ir a um cartório, à Justiça e de decidirmos nossa escolha. Nossa obrigação é igual à de todos os cidadãos, mas na hora de reconhecer nossos direitos, tem essa polêmica”, cobra Rita.
Para ela, a ignorância de um grupo significativo de pessoas tem sido o obstáculo mais difícil de ser superado. “Muitos não entendem que duas mulheres podem ser felizes e conquistar espaços.” O diálogo é a receita que mantém a convivência harmônica entre Rita e Wânia. A última é considerada pela companheira como a mais organizada em casa, bem como financeiramente. Já a primeira demonstra ter mais ciúmes. “Sempre dialogamos para evitar situações desagradáveis. Nossa relação é de amor e amizade”, afirma Rita.



Relacionamento oficializado em 2008
Os professores Zemir Moreira Magalhães (esq.), 38, e Christopher Woodward Bohlander, 48, conseguiram na Justiça, em julho de 2008, o reconhecimento da união homoafetiva. O casal esperou cerca de 90 dias pelo “sim” desde o ajuizamento da ação. Eles se conheceram em janeiro de 1998 em Goiânia. “Foi amor à primeira vista. Nos olhamos e nos apaixonamos um pelo outro”, conta Zemir. Segundo ele, a relação deles é normal, às vezes há desencontros, assim como qualquer outro casal. Se, por um lado, o comportamento conjugal é semelhante, por outro, eles reclamam do preconceito que persiste na maior parte da sociedade. “Enquanto a união entre pessoas do mesmo sexo não tiver os mesmos direitos de um casamento heterossexual, permanece a desigualdade”, declara. Zemir conta que foi difícil até mesmo encontrar um advogado interessado em “pegar” o caso deles. Hoje, a defesa do casal é representada pelo advogado Yuri de Oliveira Pinheiro Valente. Para ele, por mais que haja avanços da sociedade em aceitar a relação homoafetiva, existe também o estigma racial. “Já houve situação em que alguém perguntou se eu era motorista do Christopher, porque sou negro”, diz. Ele afirma que tanto a família dele quanto a do companheiro aceitam normalmente a relação. “Um fato marcante e que comprova que não temos nenhum problema familiar foi quando a mãe do Christopher morreu em 2000, o meu nome apareceu como membro da família na lista de obituário e também foi publicado nos jornais onde residem os parentes dele, em Pleasant Hill, Ohio, Estados Unidos”, lembra Zemir. Nesta união de encontros e desencontros, por fim, Christopher teve que ajuizar uma outra ação, desta vez na Justiça Federal, para obter o visto de permanência no Brasil, caso contrário poderia ser deportado. O juiz substituto da 8ª Vara Federal, Emilson da Silva Neri, com base na sentença da magistrada da 2ª Vara da
Família e Sucessões Maria Luiza Póvoa Cruz, que reconheceu a união do casal, acatou o pedido em junho de 2009.

Nenhum comentário: