troca-troca
Em consultórios de especialistas que trabalham com sexualidade, vez por
outra aparecem pais e mães literalmente arrasados. Flagraram ou suspeitam
que o filho faz troca-troca com coleguinhas. Junto, quase sempre arrastado,
o menino humilhado. É de doer.
A preocupação com essa questão já lhe passou pela cabeça? O seu filho ou seu
sobrinho já esboçou necessidade de esclarecer alguma dúvida sobre
troca-troca? O que você fez? Já pensou o que responderá quando ele voltar a
tocar no assunto? E se você eventualmente surpreendê-lo na hora H, o que
fará?
Tais situações são frequentes e exigem informação e maturidade do pai e da
mãe. Para esclarecer essas e outras questões sobre o tema, o site Viomundo
entrevistou a médica psiquiatra Carmita Abdo, especialista em Medicina
Sexual.
Carmita é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) e coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Viomundo – Doutora, o troca-troca entre meninos leva à Homossexualidade?
Carmita Abdo – Evitar o troca-troca não é garantia de que o menino será
heterossexual quando for adulto. Também não é porque o menino vivenciou
experiências de troca-troca que se tornará Homossexual. Ser Homo, Bi ou
heterossexual não é uma opção. Ou seja, ninguém escolhe ser Homo, hétero ou
Bi. A teoria mais aceita hoje em dia é a de que o indivíduo nasce com uma
carga genética sobre a qual se assentam fatores educacionais, sociais e
emocionais, que o vão moldando para a heterossexualidade, a Homossexualidade
ou a Bissexualidade. Muitos estudos demonstram que alguns fatores que vão
determinar a orientação sexual estão presentes muito cedo na vida, talvez
até já ao nascimento. A Homossexualidade, assim como a heterossexualidade, é
uma tendência, uma orientação sexual.
Viomundo – O que vem a ser exatamente o troca-troca?
Carmita Abdo – Como a própria expressão indica, é um relacionamento no qual
há alternância de situação dos parceiros. Em determinada ocasião, um deles
estará na posição de recepção; na outra, na de introdução. De longa data
sabemos que isso acontece.
Viomundo – Em que idade costuma ocorrer?
Carmita Abdo – Quando os meninos começam a produzir os hormônios sexuais e a
ganhar os caracteres sexuais secundários -- surgimento de pêlos,
engrossamento da voz, aumento da musculatura, ereção peniana e ejaculação.
Isso se dá por volta dos 11, 12 anos de idade; mais raramente aos 10, entre
os mais precoces. Eles ainda não têm facilidade para abordar uma garota, mas
já têm desejo sexual, vontade de manter contato físico, penetrar e ejacular.
Para resolver essa necessidade e o impulso sexual acabam fazendo um acordo
entre si, que é o chamado troca-troca: cada qual usufrui do prazer de
penetrar, desde que também se submeta à penetração.
Viomundo – Que papel tem no desenvolvimento sexual do menino?
Carmita Abdo -- De iniciação. Frequentemente representa a primeira
experiência sexual. Ela vai ser repetida algumas vezes, enquanto o menino
desejar o ato sexual, mas ainda não tiver habilidade, experiência,
disposição ou coragem para abordar uma garota. Antigamente, quando as
meninas se resguardavam sexualmente até o casamento, muito tempo transcorria
até que o garoto pudesse ter uma experiência heterossexual com alguém de sua
idade. E como ele, em geral, também não tinha condição de pagar uma
profissional do sexo, por um bom tempo resolvia o impulso sexual com o
troca-troca.
Viomundo – Então antigamente o troca-troca ia até mais tarde?
Carmita Abdo – Sim. Mas, atualmente, com a liberdade sexual das meninas e
das adolescentes, o troca-troca dos meninos está restrito à fase de
iniciação sexual mesmo. Quando o garoto tem 11, 12 anos é muito imaturo;
nenhuma menina tem interesse sexual nele e a alternativa é o troca-troca.
Isso perdura até os 13, 14 anos. Em seguida, o troca-troca é substituído por
iniciação sexual com garotas. Mesmo aqueles que serão Homossexuais costumam
ter essa fase com garotas.
Viomundo – Ou seja, o troca-troca faz parte do desenvolvimento sexual?
Carmita Abdo – É um estágio natural e universal do desenvolvimento sexual de
boa parte dos garotos, independentemente da cultura em que estão inseridos.
Na puberdade, fase de transição entre a infância e a adolescência, os
hormônios sexuais começam a ser produzidos. E o apelo biológico se torna
incontrolável. Além disso, a educação dada aos meninos os leva a entender
que a busca por sexo é um valor positivo. E como não têm como resolver essa
questão com as garotas que os atraem, vão solucionando essa necessidade
física entre eles.
Viomundo – Há alguma estimativa sobre a frequência atual?
Carmita Abdo – É difícil estimar um número preciso, porque não é uma
atividade que os garotos comentem ou assumam publicamente, por receio de
serem mal interpretados. Nega-se muito. “Eu nunca fiz, doutora”, muitos me
dizem. Eu sei que pode não ser verdade, mas não retruco. O que podemos dizer
é que a maioria dos meninos teria essa experiência pelo menos uma vez ao
longo da vida.
Viomundo – Faz de conta que não faz?
Carmita Abdo – Existe um pacto de silêncio. O que dá prazer ao menino
geralmente é a penetração. Ele penetra, mas também é penetrado, porque o
outro menino também quer penetrar. Assim, ambos conhecem os dois lados e se
satisfazem com parte da experiência. Agora, quando o garoto aceita ambas as
práticas e se submete de forma mais receptiva e até se mostra interessado
nesse contato físico, seu próprio grupo tende a estigmatizá-lo. Muitas vezes
é considerado um Homossexual. Mas esse garoto – atenção! – não
necessariamente terá orientação Homossexual.
Viomundo – Na cabeça dos meninos, Homossexual é apenas o passivo, o ativo,
não?
Carmita Abdo – Geralmente pensam assim. Mas é um grande equívoco considerar
que ser Homossexual masculino significa ter passividade sexual, ou seja, ser
penetrado. O Homossexual pode ser ativo também. Na vida adulta,
independentemente de ele penetrar ou ser penetrado, é a atração que define a
tendência sexual. Homossexual – seja homem ou mulher – é aquele que tem
preferência sexual por pessoa do mesmo gênero que o seu.
Viomundo – Vamos supor que o pai flagre a situação. O que ele deve fazer
nessa hora?
Carmita Abdo – Primeiro, ter muita tranquilidade, não se angustiar. O grande
medo dos pais é que essa experiência se torne a preferência sexual do filho.
Na maioria das vezes ela é temporária. Segundo, não comece a investigar a
vida do garoto de forma explícita e indiscreta. É a intimidade dele que
estará sendo vasculhada. É muitíssimo desagradável estar exposto, ser
interrogado, às vezes até sem nenhuma privacidade. Terceiro, seria
interessante ainda o pai puxar um pouquinho pela memória e relembrar que
deve ter vivido situação semelhante na sua puberdade ou no início da
adolescência, e hoje nem se lembra.
Viomundo – Adianta xingar, dar bronca, brigar e até partir para a agressão
física?
Carmita Abdo – De modo algum. Se o garoto se deixou ser pego, talvez ele
quisesse mesmo que isso acontecesse, para abrir um canal de comunicação com
o adulto. Pais, não percam essa oportunidade. Mas é só uma conversa mesmo,
uma oportunidade de educação sexual em família, sem coações ou medidas
repressivas que possam complicar o relacionamento familiar. Lembrem-se: na
maioria das vezes, é apenas uma fase natural do desenvolvimento sexual do
menino.
Viomundo – Os pais devem conversar com os filhos sobre essa questão ou
esperar que perguntem?
Carmita Abdo – A melhor forma de educação sexual – começa na primeira
pergunta da criança sobre sexo, o troca-troca e todas as demais questões – é
tratar cada assunto à medida que for apresentado. Não adianta se antecipar
sobre aquilo que o menino ainda não viveu. Ele vai estranhar, não vai
entender. É a mesma coisa que falar para uma criança de 2 anos que um dia
ela vai ler, escrever... Ela pode até ouvir, mas essa fala não será
assimilada.
Viomundo – Como os pais devem proceder?
Carmita Abdo – Todas as perguntas sobre sexualidade devem ser respondidas à
medida que aparecem. Não se deve fazer discurso, mas responder de forma
direta, objetiva, sintética, pontual, a questão formulada. Os pais – leia-se
pai e mãe – são os que têm melhores condições de dar educação sexual aos
próprios filhos. Afinal, conhecem melhor do que ninguém as peculiaridades da
personalidade do seu menino ou menina. Isso exige maturidade do pai e/ou da
mãe para lidar com o tema.
Viomundo – Mas, por vergonha ou desinformação, muitos pais não conseguem. O
que fazer?
Carmita Abdo – Independentemente de os pais estarem ou não atentos ao
desenvolvimento sexual do filho, ele está ocorrendo. A melhor educação
sexual é a que se recebe em casa. Por isso, o ideal seria que falassem
abertamente com a criança sobre o assunto. Hoje em dia existem sites,
livros, filmes capazes de fornecer informação de qualidade. Entretanto, se
não se sentem à vontade para fazer esse papel, um caminho é pedir a outro
familiar adulto que o faça. Em última instância, a educação sexual na escola
pode ser a alternativa possível. É fundamental não apenas para o
desenvolvimento sexual mas para a saúde geral da criança.
Viomundo – O que diria a um garoto que eventualmente leia a nossa
entrevista?
Carmita Abdo – Primeiro, faria a seguinte observação: a sexualidade existe
dentro de todo ser humano. É lícito que você se sinta sexualmente
estimulado; isso faz parte naturalmente do seu desenvolvimento. Em seguida,
daria três sugestões: 1) se tiver dúvida, procure dividi-la com um adulto da
família que possa orientá-lo, de preferência seu pai ou sua mãe. Se sentir
que não estão aptos, converse com outra pessoa adulta da família ou um
professor; 2) seus primeiros contatos sexuais devem ser com pessoas da sua
faixa etária; 3) nunca deixe de fazer sexo protegido, isto é, use sempre a
camisinha. Sexo seguro é fundamental para a sua saúde e da sociedade como um
todo.
Viomundo – O troca-troca tem que ser mesmo entre meninos da mesma faixa
etária?
Carmita Abdo – Seguramente. Tudo o que foge disso pode causar dano físico e
emocional à criança.
Viomundo – Explique melhor.
Carmita Abdo – Às vezes o garoto pensa que está fazendo troca-troca e não
está. Por exemplo, quando ele, com 11, 12 anos, descobre a sua sexualidade
com um adulto ou com um adolescente de 18, 19 anos. Não é uma experiência de
troca, porque não existe liberdade de escolha. Aí, ele serve como objeto
sexual, pois está submetido pela pessoa mais velha. Essa experiência pode
ser violenta e machucar, prejudicar o menino física e emocionalmente. O
troca-troca também é danoso quando o garoto é obrigado por outros maiores ou
mais fortes a se submeter a essa prática. Troca-troca supõe livre escolha.
Viomundo – Sexo seguro supõe o uso de camisinha. Isso significa que
troca-troca só com preservativo?
Carmita Abdo –Troca-troca é uma prática sexual, na qual há contato íntimo
dos órgãos genitais e troca de secreções. É indispensável, portanto, que o
garoto use camisinha, pois é impossível saber se o outro tem alguma doença
sexualmente transmissível. Além disso, o pênis de quem penetra fica exposto
ao conteúdo do reto [parte final do intestino] de quem está sendo penetrado.
Alguém pode refutar: “Como chegar para um garoto de 10, 11, 12 anos e dizer:
olha, isto aqui é uma camisinha; use-a quando fizer o seu troca-troca?” .
Quando o assunto é sexo, a regra de que não se deve antecipar coisa alguma
cai por terra. Às vezes o preço que se paga por não informar e educar é
muitíssimo mais alto.
Viomundo – Como resolver esse impasse?
Carmita Abdo – Os pais precisam estar cientes de que os recursos para evitar
o sexo de risco devem ser adotados desde a iniciação sexual. É melhor
promover saúde e engajar-se na prevenção do que enfrentar, no futuro, as
consequências do sexo de risco. Por isso, sistematicamente, os pais têm que
bater na tecla da camisinha. Ela é o único recurso eficaz contra gravidez e
doenças sexualmente transmissíveis, inclusive aids.
Viomundo – Nesse caso, o que aconselharia um pai ou uma mãe a dizer ao
filho?
Carmita Abdo -- Tudo o que você faz na vida pode ser bom como ruim. Você às
vezes saboreia um prato excelente, mas que pode lhe fazer mal. Por isso, é
preciso sempre se prevenir. Você não coloca uma verdura ou fruta na boca do
jeito que vem da feira. Você lava antes. Esse cuidado de se proteger deve se
tornar hábito desde o início da vida sexual. Você não precisa dizer para o
garoto: “quando você fizer troca-troca, use preservativo” . Mas você pode
dizer que em toda relação sexual – seja qual for - é fundamental que ele use
a camisinha. Pronto. Não precisa entrar em detalhes.
Viomundo – E se o garoto se mostrar insatisfeito com a resposta genérica?
Carmita Abdo – Você até pode aprofundar a resposta, caso o clima seja
propício e o próprio garoto queira.
*
--
César Gomes
(19) 9754 0139
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