segunda-feira, agosto 03, 2009

Saúde - Entendendo o caso Rozangela Justino


6 perguntas importantes sobre o julgamento que manteve a censura pública à psicóloga que diz "resgatar" gays para a heterossexualidade

João Marinho

1. A pena de Rozangela Justino foi branda?
Não. Na verdade, a questão não é se a pena foi branda ou não foi. A questão é que a censura pública era a única pena cabível no julgamento pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia). Por quê? Continue lendo.

2. De onde surgiu a sentença de censura pública?
Levantamentos feitos por colaboradores da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) demonstram que o processo que originou a sentença de censura pública foi o movido, em 2003, pelo sr. Eugênio Ibipiano, do Grupo 28 de Junho.

Segundo consta, em 2003, Eugênio Ibipiano fez uma representação contra Rozangela Justino no Conselho de Ética do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), no qual ela se encontra filiada como profissional. O motivo foi o fato de a psicóloga ter se apresentado em programas de tevê afirmando que a homossexualidade era um desvio.

Posteriormente, em 2007, foi divulgado pelo próprio Ibipiano, em listas de militância gay, o resultado do processo: a penalidade de CENSURA contra Rozangela Justino. Também foi informado que Justino havia recorrido desse resultado.

Infelizmente, o contato com Eugênio Ibipiano não se encontra disponível atualmente, de maneira que nossas informações se limitam a estas por enquanto. Mesmo por que, como a representação é algo sigilosa, somente as partes envolvidas têm acesso aos autos.

A lógica, porém, nos permite concluir que o julgamento feito pelo CFP em 31/07/2009, que tratava justamente de reverter ou não a pena de censura que pesa contra Rozangela, foi precisamente o desse recurso impetrado pela psicóloga para anular o resultado do julgamento em primeira instância da representaçã o feita em 2003.

Como não há notícia de qualquer recurso interposto por Eugênio Ibipiano, pelo Grupo 28 de junho, ou outra pessoa que tenha feito parte daquela representação, a fim de agravar a pena imposta a Rozangela Justino em 2007, o único recurso a ser analisado era o dela, de reverter a pena.

Logo, dentro do princípio de proibição ao reformatio in pejus (reforma para pior), que veta que um recurso interposto por alguém reverta em pena pior para este mesmo alguém, o CFP só tinha duas decisões possíveis: manter a pena de censura contra Rozangela, ou diminui-la. A decisão foi pela primeira alternativa, como vimos.

3. Rozangela podia perder o registro profissional?
Parte da imprensa divulgou isso, mas, dentro desta ação, a resposta é não. Isso só poderia acontecer se houvesse um recurso por parte do reclamante para agravar a pena, o que não era o caso, como vimos. O CFP não podia piorar a pena, em um recurso movido pela própria ré.

4. Mas ela ainda pode perder o registro?
Pode, mas agora só a partir de outras representações feitas contra ela. Existe, por exemplo, uma representação de autoria da ABGLT, aberta em 2007, no CRP-RJ. Aliás, essa coincidência de datas entre a abertura da representação movida pela ABGLT e o julgamento da representaçã o de Eugênio Ibipiano, fez com que parte da militância e dos gays considerassem que a pena aplicada contra Rozangela fosse resultado da ação da ABGLT. Não foi.

A representação da ABGLT, que tem bases distintas da de Eugênio Ibipiano, e contou com o envio de textos de autoria de Rozangela Justino e com a assinatura de dezenas psicólogos do CRP-RJ e de outros Conselhos Regionais em todo o Brasil, continua à espera para análise no CRP-RJ e, portanto, ainda não foi julgada.

Talvez fosse interessante outras entidades verificarem a possibilidade de fazer novas representações contra Rozangela Justino. Afinal, as penas para processos do tipo são graduais – e, ao que parece, Rozangela Justino tem continua em sua tentativa de "curar gays", uma vez que a repórter do jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, conseguiu marcar uma consulta.

5. A pena confirmada pelo CFP é irreversível? Ela vai ser censurada agora, de vez?
Em relação à ação de Eugênio Ibipiano, a pena confirmada pelo CFP significa que, dentro dos Conselhos Regionais e Federais, Rozangela Justino não possui mais recursos. No entanto, Rozangela Justino ainda tem recursos à disposição: como seu advogado mesmo anunciou, ela pode (e deverá) recorrer à Justiça federal contra a decisão do CFP. Nesse caso, o processo passa para a justiça comum e segue seus trâmites próprios, ou seja, a guerra ainda não acabou.

Uma outra possibilidade é que a resolução CFP 01/99, que proíbe aos psicólogos promoverem uma "cura" da homossexualidade, que não existe até porque ela não é doença, seja tornada sem efeito. Esta é a resolução que embasa os processos contra Rozangela.

Essa possibilidade existe? Infelizmente, sim. O deputado federal Coronel Paes de Lira, do PTC de São Paulo, que assumiu a cadeira de Clodovil Hernandez após a morte deste, protocolou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe justamente a revogação da resolução CFP 01/99.

Caso o projeto seja aprovado, não apenas Rozangela, mas qualquer outro psicólogo poderá promover tais "curas", levando ao sofrimento de milhares de gays brasileiros, além de permitir toda sorte de charlatanismo e a promoção de dogmas religiosos anacrônicos com vestes de ciência moderna. É um projeto perigoso, que requer a atenção do movimento gay e de qualquer pessoa de bem e contra o preconceito, no sentido de debelá-lo.

6. Censurar Rozangela Justino não é um atentado à liberdade de expressão? Ela não deveria poder dizer e divulgar o que quer?
Este é o argumento da psicóloga, mas é um argumento distorcido.

Em primeiro lugar, a verdade é que não existe liberdade de expressão ilimitada - esse direito é limitado precisamente pelo direito do outro, e requer uma dose de responsabilidade: você até pode exprimir o que quer, mas o outro também tem o direito de reclamar uma ofensa na Justiça, e pode eventualmente ganhar a ação.

Além disso, no que tange às profissões regulamentadas, como a de psicólogo, a responsabilidade aumenta.

Tais profissões, pautadas pela ciência, não podem permitir o charlatanismo. Um médico não pode, por exemplo, oferecer um "tratamento milagroso e certo" para uma doença incurável, nem um farmacêutico ou químico atribuir a substâncias propriedades que elas não possuem, ou um engenheiro prometer que um material tem uma resistência que não é sustentada por dados empíricos. O psicólogo, que trabalha com a saúde mental, deve ter a mesma preocupação, e é sobre isso que se assenta as decisões contra Rozangela Justino.

Ademais, a pena do CRP-RJ, confirmada pelo CFP, não cassa o direito de liberdade de expressão de Rozangela Justino, garantido pela Constituição de 1988. Ela veta determinadas ações dela enquanto profissional de psicologia.

Como cidadã, Rozangela pode continuar dizendo o que quiser dos homossexuais - todas as barbaridades que costumeiramente diz -, sendo, se for o caso, chamada à responsabilidade se algum ofendido acionar a Justiça.

O que ela não pode é, enquanto psicóloga, agir em desacordo com os preceitos éticos de sua profissão e oferecer aos pacientes intervenções questionáveis que não encontram fundamento científico-empí rico suficiente. Não só psicólogo, mas qualquer outro profissional que age de tal forma irresponsável necessita arcar com as penalidades cabíveis, ou, no limite, deixar de seguir aquela profissão e se tornar outra coisa.



Publicado em www.herege.jor. br/blog. Favor divulgar.

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