quinta-feira, junho 18, 2009

EDUCAÇÃO -Preconceito toma conta do ambiente escolar



Fonte www.dm.com.br 18/06/2009





Benedito Braga


"No começo, nem queria ir à escola. Matei muita aula até entender que não havia nada de errado comigo”
Thiago Henrique de Paula, 18, estudantePesquisa realizada em escolas públicas de todo o País revelou que 99,3% dos entrevistados admitem algum tipo de preconceito no ambiente de ensino. Chamado de bullying, o assédio moral tem sido responsável por evasão escolar, além de causa de problemas psicológicos que podem, em alguns casos, durar a vida toda. Em 501 escolas, mais de 18,5 mil pessoas foram ouvidas, entre alunos, pais, mães, professores, diretores e funcionários. O estudo, divulgado ontem em São Paulo, tem como objetivo, dar subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e respeito às diferenças.

A pesquisa “Preconceito e discriminação no ambiente escolar” foi realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Foi constatado que 96,5% dos entrevistados têm preconceito com portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial.

Com relação à intensidade, a pesquisa apurou que, quando o preconceito é de gênero, geralmente, parte do homem para a mulher. Já quando o tema é geração, constata-se que o preconceito é com os idosos. O estudo ainda indica que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum grupo social. Na frente, os deficientes mentais, que têm 98,9% de preconceito, seguido pelos homossexuais, com 98%.

Em Goiás, a Secretaria Estadual de Educação (SEE) trabalha numa perspectiva inclusiva. Desde 1999, as escolas são preparadas para atender alunos com deficiências físicas. Superintendente do Ensino Especial da SEE, Sebastião Donizete de Carvalho diz que, quando a secretaria começou com este trabalho, percebeu que algumas unidades ainda não estavam preparadas para lidar com outras diversidades, como a orientação sexual, por exemplo.

Há cerca de cinco anos, foi criada a rede de apoio à inclusão com profissionais que visitam unidades orientando as melhores formas de lidar com as diferenças dentro e fora da sala de aula. São 130 profissionais que se dividem em equipes. Em cada uma há um psicólogo, um fonoaudiólogo e um assistente social. As visitas são feitas, segundo Sebastião Donizete, regularmente em algumas escolas, mas as equipes também trabalham em casos excepcionais. “Além do acompanhamento frequente, damos apoio para aqueles alunos que sofrem agressões, são vítimas de maus-tratos e abusos”, diz.

O superintendente cita o exemplo de um adolescente na cidade de Nazário que é travesti. Devido às agressões morais sofridas no ambiente escolar, ele deixou de ir à escola e foi reprovado no ano letivo. Nesse caso, além dos alunos, os professores também reagiram de maneira preconceituosa, o que o impedia ainda mais de voltar às aulas. “Uma equipe da SEE está acompanhando tanto o aluno quanto os professores da escola para evitar que aconteça novos casos como este e auxiliar os professores a lidar com as diferenças.”

Sebastião Donizete reconhece que a falta de entendimento entre aluno e professor é uma das causas para a evasão escolar. Para evitar o chamado bullying, ele diz que as escolas foram divididas em 10 regionais e distribuídos trabalhos que levantam a discussão sobre temas ligados ao preconceito.

Já a Secretaria Municipal de Educação (SME), com o objetivo de inibir comportamentos agressivos dos alunos, desenvolve projetos de combate à violência e incentivo à paz em suas instituições. Entre eles destaca-se o projeto Escola Invertendo o Ciclo de Violência, que encoraja e orienta as unidades educacionais a identificar, denunciar, encaminhar e acompanhar os casos de violência nas escolas praticadas contra alunos, famílias e professores.

Também são desenvolvidos projetos em parceria com outros órgãos, como o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), desenvolvido em parceria com a Polícia Militar. Recentemente, o Centro de Formação dos Profissionais da Educação (CEFPE) realizou, em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), o curso Escola que protege, com o objetivo de orientar os professores e coordenadores das escolas a atuarem contra o preconceito e qualquer tipo de discriminação.



Homossexuais

Presidente da Associação de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais de Goiás, Léo Mendes diz que o bullying é um dos responsáveis pela prostituição de jovens homossexuais em todo o País. “Como os jovens são excluídos e não têm acompanhamento e aconselhamento na família e na escola, eles vão para as ruas. Se não têm condições psicológicas de prosseguir com os estudos, a única forma que encontram de conseguir dinheiro é por meio da prostituição”, destaca. Para ele, falta preparo dos professores e funcionários das escolas para lidar com as diferenças.

A história tem sido diferente com o estudante Thiago Henrique de Paula, 18. Ele se lembra de que, quando tinha 14 anos, sofreu muito na escola por ser homossexual. Diz que os colegas de classe viviam zombando dele, fazendo críticas. Nessa época, ele ainda não sabia o que acontecia, “sabia apenas que era diferente”. Até mesmo os professores o tratavam de maneira vexatória, o que o deixava desanimado para dar sequência às aulas. “No começo, nem queria ir à escola. Matei muita aula até entender que não havia nada de errado comigo.” Na época, ele diz que até o aprendizado foi prejudicado.

Thiago é homossexual assumido e hoje ajuda outros alunos do colégio. Quando percebe que alguém se sente discriminado, seja pela opção sexual ou por qualquer outra coisa, ele se dispõe a ajudar. “Hoje todos me respeitam e tento ajudar outros colegas que estão passando pelo que passei.” Ele faz parte de um grupo com mais de 40 homossexuais da escola que debatem e discutem a discriminação. Ele pretende estudar e se formar em Letras e Jornalismo. Caso se torne professor, acredita que a experiência do bullying o ajude a entender melhor as diferenças.



Professores perdem tempo

Outra pesquisa divulgada ontem mostra que os professores brasileiros são os que mais desperdiçam com outras atividades o tempo que deveria ser dedicado ao ensino. No período em que deveriam estar dando aula, eles cumprem tarefas administrativas (como lista de chamada e reuniões) ou tentam manter a disciplina em sala de aula (em consequência do mau comportamento dos alunos).

A conclusão é de um dos mais detalhados estudos comparativos sobre as condições de trabalho de professores de 5ª a 8ª séries de 23 países, divulgado ontem pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A pesquisa foi feita em 2007 e 2008.



Números

Pesquisa realizada em 501 escolas públicas

18,5 mil pessoas ouvidas, entre alunos, professores, funcionários, diretores e pais de alunos

99,3% das pessoas demonstram algum tipo de preconceito

99,9% desejam manter distância de algum grupo social

96,5% têm preconceito com portadores de necessidades especiais

94,2% têm preconceito étnico-racial

93,5% têm preconceito de gênero

91% têm preconceito de geração

87,5% têm preconceito socioeconômico

Fonte: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe)Fonte: Cristiane Lima

Nenhum comentário: