domingo, junho 28, 2009
EDUCAÇÃO - Nome social das Trans em Goiás
Alessandro Copetti
Normalmente vistos com preconceito, travestis e transexuais abandonam os estudos e, sem capacitação, muitas vezes passam a se prostituir e a viver o mundo da noite, onde a intolerância é menor. Em contrapartida, a condição marginal é a única certeza. A principal justificativa da evasão escolar é por não terem sua sexualidade respeitada, sendo chamados de "ele" quando se sentem e se portam como "ela", e vice-versa.
Para minimizar esses conflitos de gênero nos ambientes de ensino, o Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE-GO) estabeleceu resolução que assegura aos travestis e transexuais o direito de serem tratados pelo nome social em registros e documentos escolares. "O fato de ter sido uma decisão do Conselho é importante porque reconhece o direito na instância devida. Não em uma instância intermediária", avalia o presidente da entidade, Marcos Elias Moreira.
Na opinião dele, a medida foi pautada no princípio de que a escola contemporânea precisa oferecer uma Educação baseada na inclusão, não ao contrário, e dentro do norte que baliza a ação do Conselho, que deve ser um instrumento da sociedade cuja responsabilidade é criar condições para o ingresso de todos no sistema educativo.
Escola que expulsa
E nada mais justo, considera Marcos Elias, de que na atual sociedade, na qual a exigência de profissionais com capacidades variadas é grande, que a escola ofereça uma Educação baseada na diversidade. E por isso, a reivindicação, que teve à frente a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT , deve assegurar não só condições de acesso, "mas particularmente a presença de travestis e transexuais dentro das nossas escolas", pontua o presidente do CEE.
Para Léo Mendes, secretário de Comunicação da ABGLT e a pessoa que encaminhou o processo no CEE para a portaria do nome social das Trans, " essa é uma demanda da conferencia nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT e visa acabar com a exclusão escolar da parcela mais discriminada da nossa comunidade. Quando educadores insistem em tratar alunas travestis e transexuais como homens, acabando empurrando elas para a vida da prostituição. Educação é fundamental na vida das pessoas.
Com atuação decisiva nas discussões que nortearam o debate em favor da medida, o doutor em Sociologia e coordenador do grupo Ser-Tão, Luiz Melo, observa que a falta de tolerância nas escolas faz com que travestis e transexuais acabem expulsos precocemente do ambiente. Ainda que de forma simbólica, segundo ele, sem a assinatura de um termo de expulsão propriamente. "E essas pessoas, ao saírem da escola, terminam perdendo qualquer possibilidade de inserção social, com o mínimo de dignidade", alerta.
Conforme ele, na ausência da criação de condições para a permanência na escola, a maioria acaba indo parar na prostituição, na qual passa mais despercebida em relação ao preconceito enfrentado durante o dia. Por esse e outros motivos, o professor considera que, assim como existem políticas específicas de inclusão para pessoas com as mais variadas particularidades, é preciso criar condições também de acesso para travestis e transexuais. "Elas (travestis) têm o direito de existir, de viver, e estudar. Elas respiram como qualquer um", justifica.
Na pele
A transexual Cristiany Santos, 29, sabe muito bem o que é não ser acolhida na escola. Ela considera que a portaria trouxe "alívio" e um incentivo a mais para que travestis e transexuais estudem. Cris, como gosta de ser chamada, já concluiu o Ensino Médio e acredita que se tivesse sido beneficiada pela medida teria sido poupada de muitos embaraços. "Estar na sala de aula, toda feminina, vestida de mulher, e ser chamada por um nome masculino, é muito constrangedor. Só quem vive isso para saber", lembra.
Também se apresentar para a classe nos primeiros dias de aula, a pedido dos professores, foi algo que deixou marcas em Cris. "Isso acarretou tantos problemas que hoje quando vou falar em público, não gosto de me apresentar", conta. Ela acredita que, em função de certo receio, e até mesmo preconceito, os professores acabam constituindo o maior entrave nesse tipo de questão, porque muitos resistem em não chamar os alunos travestis e transexuais pelo nome social. Mas Cristiany acredita que agora isso deve mudar e que a escola, enfim, vai poder ser a "segunda casa", como é denominada, também para os travestis e transexuais.
Analfabetismo
Uma pesquisa realizada pela Associação dos Travestis, Transexuais e Transgêneros de Goiás (Astral), entre 2003 e 2006, detectou que 10% dos travestis de Goiânia são analfabetos; 27% não concluíram o Ensino Fundamental e sabem apenas escrever o próprio nome; e mais de 30% dos entrevistados disseram que não conseguiram permanecer na escola por não serem respeitados. "Essas pessoas hoje estão na rua, mas e quando crianças, onde estavam que não estudaram?", questiona a psicóloga Beth Fernandes, que coordena o Fórum de Transexuais de Goiânia.
Ela considera que situações desse tipo acontecem porque parte da sociedade enxerga os transexuais e travestis com desdém e indignos de direitos. "São vistos como categorias inferiores, e categorias inferiores não estudam, não trabalham", critica. Diante disso, Beth revela que muitos adquirem problemas com alcoolismo, drogas, prostituição e a criminalidade, e acabam presos. Por isso ela avalia que o reconhecimento dessas pessoas pela escola é importante, porque ajuda a tratar o problema na base, dando capacitação e a oportunidade para que se aceitem melhor.
A intolerância vai acabar?
Para Beth Fernandes, o primeiro passo é incluir os travestis e transexuais dentro da Educação e do mercado formal de trabalho. E o segundo é banir o preconceito existente. Ela acredita que o acesso e a permanência no ambiente escolar vão contribuir para que o problema, aos poucos, seja superado. "Os valores vão mudando, aí se muda uma sociedade. Porque a imagem da transexualidade e da travestilidade que as pessoas têm é de marginalidade", avalia.
Já Marcos Elias Moreira explica que a decisão do Conselho Estadual de Educação não foi pautada na questão do preconceito, mas na garantia do acesso e do respeito aos direitos humanos. Ele, aliás, considera que a medida em si não vai acabar com o preconceito. Com opinião semelhante, Luiz Mello também acha que, dependendo da homofobia e da transfobia de diretores, professores, colegas e pais, pode haver resistências em garantir a inclusão e por isso a norma do CEE é decisiva. "Se existe a resolução, no mínimo essas pessoas estão protegidas pelo direito de serem chamadas pelo nome social e isso lhes dá o direito de existir dentro da escola", avalia.
Primeiras impressões
Com pouco mais de um mês de implantação da resolução, o sociólogo Estevão Arantes, coordenador da Superintendência Especial de Educação (SEE-GO), que fiscalizará a aplicação da medida, informa que já estão sendo detectadas resistências. "Os entraves vêm aparecendo mais entre os professores e demais grupos de gestores, como a coordenação e direção", diz. Relutância essa que ele atribui a fatores culturais e também nas falhas na formação acadêmica, que não prepara os educadores de forma eficiente para tratar de temas ligados à diversidade.
Para amenizar os conflitos e garantir que o direito dos transexuais e travestis seja assegurado, uma equipe multiprofissional da SEE irá capacitar os educadores e corrigir as distorções existentes. "A escola tem de dar essa opção, não tem o que discutir. Tem de garantir o direito dessas pessoas", enfatiza Estevão. De acordo com ele, muitas vezes o fato dos professores abordarem a sexualidade dos demais, a partir da própria concepção, camufla a diversidade, e atrapalha muito o reconhecimento e respeito à pluralidade de gêneros.
Para a educadora Maria Tairan da Silva, essa falta de preparo de alguns professores pode ser superada com formação. "É preciso investimentos em capacitação e políticas educacionais sérias de sensibilização", diz. Diretora da Escola Estadual Aécio Oliveira Andrade, em Goiânia, ela acredita que no colégio não haverá problemas com a aceitação da medida pela existência de uma política de respeito ao tema no local, anterior à determinação.
Mesmo assim, reconhece que existem alguns "ranços" por parte não só dos educadores, mas da sociedade, que precisam ser combatidos. Já na Escola Estadual Robinho Martins de Azevedo, a diretora Sandra Silva Tavares acredita que talvez ocorra um "estranhamento" dos alunos do período vespertino (mais novos) que logo se acostumarão. Já à noite, ela considera que a aceitação será melhor pelo fato dos alunos serem adultos.
Entendendo as mudanças
Conforme a resolução 05/2009, disponível no site www.cee.go.gov.br, o aluno ou aluna, travesti ou transexual deverá manifestar, de forma escrita, o seu interesse pela inclusão do nome social no ato da matrícula ou no decorrer do ano letivo, isso na própria escola. O nome de registro civil acompanhará o social em todos os documentos escolares e no Histórico e diploma constará apenas o registro civil. A medida vale para as escolas da rede estadual e particular e para os municípios que não possuem Conselho Municipal de Educação. Com a decisão, Goiás é o segundo Estado a adotar a medida. O primeiro foi o Pará.
Fonte: www.tribunadoplanalto.com.br
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