sexta-feira, novembro 19, 2010
Segurança Pública contra a Homofobia
Fonte: http://www.comunidadesegura.org/pt-br/MATERIA-seguranca-publica-sem-homofobia
Colorida como o arco-íris, a bandeira do movimento gay celebra a diversidade. Monocromáticas, as fardas policiais remetem à uniformidade. Mas o azul e o verde dos uniformes estão contidos na diversidade da bandeira. E as cores do arco-íris misturadas resultam no branco da paz. Donde conclui-se que a integração neutraliza o conflito.
A metáfora ilustra o fundamento do II Seminário Nacional de Segurança Pública para LGBT: Pela Defesa da Dignidade Humana, que uniu agentes de forças de segurança e representantes de movimentos sociais LGTB (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) em torno do objetivo comum da paz.
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Reunidos em clima harmonioso no Rio de Janeiro, policiais civis e militares, bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários, policiais federais e rodoviários federais dos 27 estados do país e do Distrito Federal ouviram os relatos e expectativas dos movimentos sociais LGTB e apresentaram práticas exitosas contra a homofobia em seus estados.
Presente à abertura do evento, o secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, Ricardo Balestreri (na foto acima, discursando), destacou a importância da capacitação dos profissionais da segurança pública e da Rede Nacional de Educação a Distância, que provê educação continuada, integrada e qualificada a policiais de todas as forças, com ênfase no respeito aos direitos humanos, à diversidade e ao cumprimento das leis.
Balestreri afirmou que a democracia depende do respeito pleno à população, inclusive no campo da liberdade sexual. Segundo ele, o objetivo do seminário é a conscientização de que os agentes de segurança pública devem não apenas respeitar os direitos das pessoas mas também promover a diversidade de direito. Três cursos a distância da Senasp contemplam a temática LGTB. O curso de Direitos Humanos qualificou, em 2010, 166.321 profissionais; o de Atuação Policial frente aos Grupos Vulneráveis, 7.316; e o de Segurança Pública sem Homofobia, 3.962 profissionais.
No seminário, pesquisadores fomentados por instituições conveniadas à Secretaria de Direitos Humanos e à Senasp através da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp) apresentam suas produções acadêmicas sobre temas como violência homofóbica, tráfico de travestis e redução de danos.
GTs estaduais e trabalho em rede
publico_0.jpgNos meses que antecederam o Seminário, o Grupo de Trabalho (GT) de Combate à Homofobia visitou delegacias especializadas e centros de referência nos estados do Rio de Janeiro, Piauí, São Paulo, Sergipe e Paraíba, com o objetivo de reunir informações sobre o atendimento ao público LGBT, verificar as boas práticas na área e fomentar políticas públicas de combate e prevenção à homofobia em todo o Brasil.
De acordo com Léo Mendes, membro do GT e representante do movimento social de Goiás, o seminário teve saldo positivo porque atendeu aos três objetivos específicos estipulados pela Comissão Organizadora: a criação de minutas de portaria para a criação de GTs em cada estado; a articulação de redes de interlocução de políticas estaduais de combate à homofobia para a implementação das ações pactuadas nas conferências estaduais LGBT no recorte Segurança Pública e Direitos Humanos; e a criação da Rede nacional de Operadores da Segurança Pública para a questão LGBT (Renosp LGBT), que abarca todas as forças de segurança com coordenações estaduais. Segundo ele, o objetivo da Renosp é lutar contra a homofobia institucional nas corporações policiais e empoderar operadores para que tenham coragem de assumir sua sexualidade no local de trabalho.
Léo Mendes explicou que desde 2008 existe um Plano Nacional de Segurança Pública para LGTB, mas como a segurança pública é responsabilidade dos estados, a Senasp não pode impor o plano às secretarias. Daí a importância da implantação de GTs nos estados para a construção de Planos Estaduais.
Segundo Mendes, existem eixos comuns aos estados nos planos de luta, como a capacitação dos agentes de segurança para lidar com o público LGTB, a inclusão de dados estatísticos de crimes de homofobia e a criação de delegacias de direitos humanos para populações vulneráveis.
Ele acrescenta que o próximo seminário, daqui a dois anos, tratará da segurança em âmbito municipal e estimulará a criação de GTs municipais. “A intenção é que os GTs municipais, estaduais e nacional trabalhem por uma política articulada de segurança pública para LGBT”, esclarece.
Para a assessora especial do ministro da Justiça, Regina Miki, o mais importante é garantir uma aproximação de atores que historicamente são distantes – a polícia e o grupo LGBT. Ela lembrou que na I Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em abril de 2010, foram aprovadas três diretrizes relacionadas ao público LGTB: a defesa da dignidade da pessoa, em especial grupos vulneráveis como negros, mulheres e LGBT; a garantia da representação deles dentro do Conselho Nacional de Segurança Pública; e a promoção da sua saúde.
Regina acrescentou que a Senasp criou um GT para a execução dessas três diretrizes, além de uma Câmara Temática de gestão e avaliação das políticas para verificar o que está sendo feito, o que não está e por que não está, para que se possa interferir.
O próximo passo, informou Regina, é dar posse ao Conselho e fazer com que trabalhe de forma técnica e qualificada, cumprindo o seu papel de consultor na elaboração da política pública para a segurança. “Este é o grande desafio – tirar este Conselho de um patamar inerte, como era, e trazê-lo como promotor da política pública no país, já que ele é o grande guardião dos princípios e diretrizes aprovados na Conseg”, afirmou Regina.
Uma cartilha para policiais
Para ensinar aos policiais que eles têm o dever de promover a segurança do cidadão, independente de quem seja, a Senasp redigiu e publicou a Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. A cartilha, com lançamento previsto para este mês, já está sendo usada nos cursos da Senasp e é resultado de uma construção coletiva de policiais militares em âmbito nacional.
A publicação fornece elementos teórico-práticos para atuação policial na proteção e promoção dos direitos humanos de mulheres, crianças, idosos, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, vítimas da criminalidade e abuso do poder, moradores de rua, vítimas do preconceito de raça ou cor e pessoas com deficiência.
“A cartilha ensina que existem formas de abordagem ao cidadão, e não ao afrodescendente, à mulher, ao travesti. Todos nós temos que ter os direitos garantidos de que seremos abordados de uma forma digna. O que difere a abordagem não é o que um ser humano tem como qualidade, e sim o risco da ação. É isso que estamos tentando abordar na qualificação continuada do policial”, explicou Regina Miki.
Segundo ela, a qualificação permanente é importante, porque depois da formação o policial volta a conviver nos batalhões e dentro das delegacias com policiais antigos que não tiveram a mesma formação. “Aí é mais fácil aprender o que está errado. Precisamos de uma qualificação continuada para reavivar aquilo em que ele foi formado e contrapor àquilo que lhe é apresentado no dia-a-dia”, disse.
A psicóloga Juliana Ferreira, capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro e colaboradora da Senasp para treinamento em direitos humanos, explicou que a cartilha promove uma discussão sobre procedimentos policiais tanto na abordagem no policiamento ostensivo quanto no atendimento de ocorrências.
“No caso dos procedimentos, destaca-se o uso do nome social na abordagem. A revista, no caso da travesti ou da mulher transexual, deve ser feita por policial mulher, o que é uma novidade no Brasil. Do ponto de vista da atitude, o tratamento deve enfatizar o respeito à dignidade, o cuidado e o interesse com a pessoa que relata ter sido vítima”, contou.
Outro objetivo da cartilha, segundo Juliana, é fomentar os registros para reduzir a subnotificação, um problema grave no caso de crimes homofóbicos. Ela explicou que desde o momento inicial da ocorrência, o policial deve fomentar o registro, assegurando à vítima que essa é a melhor forma de manter os seus direitos. “Há problemas de clima organizacional para receber o público LGTB. Estamos focando na mudança de uma cultura, para criar nas instituições policiais um ambiente de acolhimento”, disse.
A psicóloga conta que nos três cursos da Força Nacional feitos em 2009 a temática foi vista como novidade, mas também com muito entusiasmo. “Tenho orgulho de dizer que as pessoas que passaram por esse curso saíram muito motivadas e temos indícios de que já implementaram políticas em seus estados”, afirmou. São Paulo, Alagoas e Minas Gerais são exemplos de estados que já trabalham nessa linha.
Boas práticas
Minas Gerais é uma referência nacional. De acordo com o capitão Claudio Duani, assessor de Direitos Humanos da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, o tema já integra o currículo de formação da corporação e os procedimentos de atendimento têm como principal orientação o respeito a dignidade humana. “O policial deve aceitar a diversidade e as diferenças na sociedade. Ele deve compreender a importância de proteger a diversidade”, disse durante o seminário.
Duani apresentou uma pesquisa feita com 202 travestis no seu estado. Do total, 40% disseram que apesar da rigidez, os policiais foram respeitosos nas abordagens; 32% disseram que foram muito educados; e 23% disseram que foram truculentos e preconceituosos. Este grupo, entretanto, era majoritariamente composto por travestis mais jovens, que atuavam como profissionais do sexo há menos tempo.
Um exemplo surpreendente veio da Paraíba. Em João Pessoa funciona a Delegacia Especializada em Crimes Homofóbicos. O delegado Marcelo Falcone contou que as pessoas em geral chegam muito tímidas e que frequentemente as famílias não querem notificar os crimes. “Há uma vulnerabilidade muito grande”, disse.
Falcone relatou que, além de fazer registros de crimes, os policiais fazem medições de conflitos. “Às vezes as pessoas acabam se reconciliando. Esse lado social também é muito interessante”, disse. Segundo o delegado, a maior dificuldade é circunscrição da delegacia, que só atinge a capital. Ele também teme pela sua não continuidade, com a mudança de governo.
Em Fortaleza, a força encarregada de dar segurança às Paradas Gay é a Guarda Municipal. O secretário municipal de Segurança de Fortaleza, José Arimá Rocha, contou que um terço do efetivo de 1.600 guardas é designado aos eventos, portando exclusivamente armas não letais. Segundo ele, todos os membros da guarda fazem cursos de ensino a distância da Senasp e mais de 50% já fizeram o curso Segurança Pública Sem Homofobia. “Mas a formação só não é suficiente. Tem que ter disciplina”, ressaltou.
Rio_sem_homofobia_Balestreri.jpgO Rio de Janeiro também é considerado um estado avançado na questão LGTB. Além de um GT atuante, funciona no estado a Superitendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, encarregada de fazer a ponte entre a segurança pública e os direitos humanos.
De acordo com o superintendente, Cláudio Nascimento (à esquerda na foto), o programa Rio sem Homofobia tem um orçamento de R$ 8 milhões para 2010 e 2011, sendo R$ 1,5 milhão do governo federal. As verbas financiam os Centros de Referência e Promoção da Cidadania LGBT e serviços da rede de proteção como o Disque-Cidadania LGBT (0800-0234567).
No Rio também já está incluída a categoria homofobia nos registros de ocorrência de 132 delegacias das 160 do estado. Foram registradas 250 ocorrências desde a implantação em junho de 2009. Além disso, em três anos de trabalho, foram formados quatro mil policiais militares e civis. “Não basta proteger contra a violência, é preciso criar uma nova cultura de reconhecimento das diferenças”, explicou Nascimento.
Ao final do evento, foi realizado na Candelária um ato em memória aos homossexuais assassinados no país, com a distribuição de flores e bolas brancas. Segundo o Grupo Gay da Bahia, o Brasil é campeão mundial em crimes contra LGBT com um assassinato a cada dois dias - aproximadamente 200 crimes por ano -, seguido do México (35) e dos EUA (25). De 1980 a 2009, foram documentados 3.196 assassinatos no Brasil, 18% na década de 1980, 45% nos anos 90 e 37% (1366 casos) a partir de 2000.
Fotos de Delfim Vieira, da Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio de Janeiro
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