segunda-feira, março 22, 2010


22/03/2010

O bispo que defende os gays
CAMPALA (UGANDA) – Em Uganda, a igreja cristã tem uma influência comparável ao sul dos Estados Unidos. A política é dominada por pessoas que dizem guiar suas decisões por ensinamentos religiosos, a começar pelo presidente do país, Yoweri Museveni e a primeira-dama, Janet. Ambos são “renascidos em Cristo”, ou seja, pessoas que se descobriram cristãs na metade da vida. O mais famoso renascido em Cristo do mundo é, obviamente, George W. Bush –de quem o primeiro casal de Uganda se diz amigo.



Uma instituição poderosa assim não ficaria indiferente ao debate em curso sobre criminalizar a homossexualidade no país. Mas engana-se quem pensa que a igreja local atua de forma monolítica nessa questão. Em Uganda, a igreja rachou.



Se é verdade que praticamente toda a igreja condena a opção homossexual, também é verdade que apenas uma pequena parte da miríade de denominações cristãs em Uganda concorda com a idéia de estabelecer pena de morte para alguns casos. E a maior surpresa que tive foi descobrir que alguns abnegados até aceitam pagar um preço por defenderem os direitos dos homossexuais.



O reverendo Christopher Senyonjo é o líder da minúscula ala da igreja de Uganda que não vê problemas em um homem viver com outro homem, ou uma mulher com outra mulher. Aos 78 anos de idade, membro da Igreja Anglicana de Uganda, é uma figura notável. Baixinho, citando a Bíblia de memória, risonho, vestia camisa roxa por baixo da túnica negra. Diz ser amigo do colega anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz que vive na Cidade do Cabo (África do Sul), e não é difícil de acreditar.



Encontrei-o numa igreja na periferia de Campala.






“Eu não posso mais rezar missa aqui, mas pelo menos ainda me deixam frequentar esse lugar”, disse-me ele, logo de início. Senyonjo está “na geladeira” desde 2002, quando começou a defender os direitos dos gays. Foi escanteado pela cúpula anglicana do país. Antes disso, havia sido bispo durante 24 anos da diocese de West Buganda, uma das mais importantes do país.



Durante uma vida inteira de sacerdócio, especializou-se em relacionamento de casais. Primeiro, fazia aconselhamentos homens e mulheres em crise. Gradativamente, percebeu que os problemas de casais homossexuais não são tão diferentes e começou a aconselhá-los também.



“Eu aconselho casais gays, mas não tento curar ninguém”, diz ele, numa referência a um dos princípios básicos da lei em discussão no Parlamento de Uganda: de que homossexualidade seria algo adquirido durante a vida e, assim, poderia ser “desaprendido”.



Senyonjo tornou-se um ícone da defesa da liberdade sexual em Uganda. Virou o padrinho informal da resistência à aprovação da lei anti-gays. Não deixa de ser curioso ver aquele velhinho, com uma vida inteira dedicada ao cristianismo, sendo venerado por ativistas gays, lésbicas e transexuais. No início de março, ele liderou a entrega de um abaixo-assinado no Parlamento pedindo a derrota do projeto do deputado David Bahati (leia os posts anteriores para ver minha entrevista com ele).



“O projeto é draconiano, duro demais e desumano”, diz o bispo. “Há muita ignorância com a relação à homossexualidade. Quando as pessoas abordam a sexualidade humana de um ponto de vista religioso, então nós temos um problema”, continua.



Procurado por jornalistas do mundo todo, Senyonjo não tem freio na língua. Ataca de forma dura a igreja cristã no país, dizendo que é controlada pelo “fundamentalismo religioso”.



Sua mensagem é simples. “Toda a sexualidade, se usada de maneira errada, pode ser imoral. Inclusive a heterossexualidade”.



Mais importante, segundo ele, é entender que pedir pena de morte não faz parte da doutrina cristã. “Ainda que a homossexualidade fosse uma doença, esse não é o jeito de tratar”, afirma.




Escrito por Fábio Zanini às 06h01


Sobre o autor: Fábio Zanini, 33, é jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), com mestrado em relações internacionais pela School of Oriental and African Studies (Soas), da Universidade de Londres.

Fonte: http://penaafrica.folha.blog.uol.com.br/

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