domingo, janeiro 17, 2010

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Homossexuais goianos contam como é a trajetória de quem vive fora dos padrões de comportamento impostos socialmente e acreditam que a participação de gays assumidos no BBB pode ajudar na diminuição do preconceito
17/01/2010




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divulgação / tvglobo


Participante do BBB Dicesar, que se apresenta como a drag queen Dimmy Kieer, já ganhou a simpatia do públicoAgora, não tem como escapar. Mesmo quem queira se esquivar, vai acabar batendo de frente com ele, nos jornais, revistas e TV. Assunto geralmente tratado com discrição, a homossexualidade está na boca do povo. Alvo de polêmica, a pauta voltou a figurar nas rodas de fofoca (e nas conversas de família), sobretudo, pela exposição escancarada em um dos programas de maior audiência do Brasil, o Big Brother. Embora já tenha contado com participantes gays em edições anteriores, o programa, desta vez, resolveu acalorar as discussões sobre o tema. Para isso, anunciou com antecedência a participação de dois homossexuais, entre eles uma drag queen. Como se não bastasse, resolveu botar no elenco uma sister lésbica, revelada logo no programa de estreia.
Na verdade, a abordagem sobre as diferentes opções sexuais na tevê é antiga, embora muitas vezes tratada como freak show, uma espécie de circo do bizarro. Agora, no entanto, o assunto volta ao foco em um programa que, de uma forma ou de outra, acaba entrando para a rotina diária de milhões de telespectadores, pautando discussões na mesa do café da manhã ou no botequim da esquina. E mais: os gays não são fictícios, interpretados por atores, ou dirigidos de forma a não chocar a opinião pública, condicionada a condenar aquilo que não se encaixa no estereótipo do ético ou moral. Ao contrário, os personagens dessa história real são pessoas comuns, que não tiveram vergonha de assumir sua posição e dar a cara a tapa em rede nacional.
Rotulado como membro da tribo dos “coloridos”, o maquiador paranaense Dicesar, que costuma se transformar na drag queen Dimmy Kieer, a jornalista mineira Angélica e o estudante de moda Sérgio chegaram à decima edição do Big Brother Brasil fazendo estardalhaço. Os boatos sobre a participação de homossexuais, aliás, já davam o que falar muito antes do início da temporada. Em outubro passado, o diretor do programa, J.B. Oliveira, o Boninho, anunciou no Twitter que a primeira selecionada para o time de brothers era uma lésbica. O alvoroço na comunidade gay foi imediato. Pela internet, pipocaram manifestações de apoio, inclusive de grandes representantes do movimento no Brasil, como Salete Campari, uma das drags mais conhecidas de São Paulo.
Mais do que reacender a chama da discussão, a participação dos homossexuais e, particularmente, a exposição do tema de forma natural e até provocante, traz à tona o preconceito, uma realidade vivida por grande parte das pessoas que assumem a opção sexual. Aos 22 anos, o estudante Sérgio Ramos Franceschini, que já conquistou a simpatia do público por seu jeito extravagante e brincalhão, fez questão de ressaltar que sempre teve o apoio da família com relação à sexualidade, o que foi fundamental para formação de seu caráter. Com visual irreverente, o jovem entrou na disputa pelo prêmio milionário para mostrar que todo mundo é igual e ninguém deve ter vergonha do que é.
Mas a história do brother, de respeito e compreensão, faz parte de raras excessões, uma vez que assumir a homossexualidade e, mais ainda, ser aceito após adotar tal postura, continua sendo tabu. Na sociedade brasileira, o preconceito se manifesta de diferentes formas, desde as mais pessoais, passando pelas interpessoais, como a obrigação ao silêncio e a negação das orientações sexuais nas famílias. No livro Preconceito contra a homossexualidade, dos professores Marcos Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado, que dedicaram grande parte dos seus estudos aos movimentos sociais e formas de ação política, o preconceito é denunciado como uma função cognitiva de efeitos psicológicos e sociais que, apesar de necessário para as dinâmicas do cotidiano, muitas vezes termina por fazer parte de um mecanismo de inferiorização e de manutenção de hierarquias sociais e sexuais extremamente opressivas e violentas.
Esse cenário acaba sendo decisivo para a condição de introversão. “Ainda existem famílias que expulsam, patrões que não contratam e retaliações nas escolas”, lamenta o presidente da Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Transgêneros (AGLT), Léo Mendes. Para ele, a exposição da figura homossexual em revistas e novelas, e agora no reality show, vai colaborar de forma positiva para a conscientização da população. “A nova geração de gays, representada por Sérgio, o caçula do grupo gay do BBB, já vem crescendo com mais liberdade sexual”, completa. Por outro lado, o maquiador Dicesar, no alto dos 44 anos de idade, vive longe da família, o que pode configurar um conflito vivido pelos homossexuais da geração passada. De acordo com Mendes, os participantes do programa possuem uma característica essencial para a aproximação entre a sociedade conservadora e os gays. “Eles são pacíficos e vivem a homossexualidade em sua plenitude”, diz.
A abordagem do programa também deve influenciar no comportamento das famílias com relação à homossexualidade. “O fato de terem mostrado as famílias e o respeito pelos filhos vai ajudar em muita coisa", acredita o presidente da AGLT. Segundo Mendes, a aceitação dos homossexuais, na sociedade contemporânea em geral, vem sendo gradativa, apoiada pela exposição na mídia e por declarações de artistas e intelectuais. “É claro que muito ainda precisa ser feito”, ressalva ele, ao lembrar que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ainda enfrenta percalços, como a proibição de carícias em shoppings ou restaurantes. “Mas comemoro o fato de terem tido essa coragem, entrado no programa sem vergonha de mostrarem quem são”, completa.
No entanto, a exposição do trio pode criar um efeito desagradável. O Ministério da Justiça, responsável pelo monitoramento da programação das emissoras de televisão, está preocupado com o potencial de o BBB 10 mostrar homofobia. A informação é da coluna Outro Canal, assinada interinamente por Laura Mattos e publicada na Folha de São Paulo da última sexta-feira (15). Segundo nota, o Departamento de Classificação Indicativa de programas, órgão do ministério, está alerta para a maneira como a Globo irá retratar os participantes. Na primeira semana, por exemplo, Sérgio e Dicesar trocaram um selinho enquanto dançavam. Outro participante, hetero, teria reagido de forma debochada.

Na torcida
Amigo do participante Dicesar, o cabeleireiro goiano Leo Barbosa, 39, que dá vida à drag queen Xantara Top, acha que a aparição no programa vai ser positiva para a comunidade gay e torce copiosamente pelo colega de profissão, com quem já dividiu festas e paradas gays. “Eu e alguns amigos comemoramos a entrada dele, mas sei de alguns gays que acharam a exposição desnecessária”, diz. Para o cabeleireiro, a participação dos homossexuais vai abrir os olhos do público para o tema, embora o assunto já não encontre tanta resistência como em décadas passadas. “Na minha época, ninguém falava disso. Entrar numa boate gay, por exemplo, era supertrabalhoso”, lembra. Segundo Barbosa, a mídia tem participação decisiva na conscientização da população e na criação de um ambiente o mais natural possível para os homossexuais.
A funcionária pública Karla Bianca Castro Pereira, 40, que aguarda na fila por uma cirurgia de mudança de sexo, também admite preferência pelo representante das drags. Segundo ela, que ainda usa o nome masculino nos documentos, a repercussão da participação dos gays no programa vai trazer bons resultados. “Claro que vai gerar polêmica, mas é bom para que os outros vejam que somos pessoas comuns”, diz. Após sofrer com preconceito e repreensão da família, na infância e adolescência, Karla acredita que a discriminação vem diminuindo com o passar do tempo. “Só não enfrentei mais problemas porque sempre fui muito discreta. Meus colegas de trabalho, por exemplo, sempre me viram como mulher”, relata.
Quebrar preconceitos e rótulos é o principal benefício enxergado no programa pela cabeleireira transexual Cristiane Beatriz, 30. Operada para mudança de sexo há cinco meses, ela acredita que o reality show vai abrir a mente dos telespectadores, fazendo-os enxergar que a homossexualidade não é um bicho de sete cabeças. “Tem cliente meu que disse que só vai assistir o BBB por causa deles”, explica. Além disso, o programa seria uma maneira de levar o tema polêmico para dentro dos lares, fazendo com que as famílias possam discutir sobre o assunto. “Sofri preconceito dentro de casa por algo que fazia parte de mim desde a infância. Mas muito disso se deve à falta de informação”, acrescenta ela, que, aos poucos, foi recuperando a compreensão da família. “Temos movimento fortalecido e projetos sociais, mas ainda há muito o que melhorar”, finaliza.

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