sábado, setembro 05, 2009

EDUCAÇÃO

ARTIGO PUBLICADO

JORNAL PAGINA 20

Dia 04 de setembro de 2009

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Uma escola sem homofobia



Germano Marino *
04-Set-2009


Em 10 de dezembro de 1948 foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo, fundamentalmente, o direito à igualdade entre os seres humanos. Ela foi uma resposta às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra (1938-1945). Transformou- se no documento mais traduzido do mundo e seu conteúdo serviu como base para constituições e leis de mais de 90 países – ainda que esteja disponível em apenas 350 idiomas.

No Brasil, a Carta embasou a Constituição de 1988 e passou a ser internalizada de alguma forma pelos brasileiros, tornando-se o país num Estado Laico. Uma parcela significativa da população brasileira enxerga os princípios dos direitos humanos, apenas como uma política para proteger bandidos, assassinos, estupradores, terroristas, enfim, causando uma grande repulsa da população aos princípios da declaração, que preza tão somente pela igualdade entre os seres. Para provar, podemos chegar a qualquer esquina de qualquer cidade, é perguntar o que aquela pessoa entende por direitos humanos, logo teremos uma clareza dos fatos, que por falta de conhecimento, a ignorância causa um enorme buraco negro na luta de milhares de pessoas na conquista de cidadania a índios, negros, deficientes, homossexuais, religiosos, crianças, idosos, mulheres, direitos a qualquer ser humano que precisa ser respeitado na sua diferença. As pessoas não querem enxergar que ninguém pede para nascer assassino, delinqüente, usuário de drogas, mas que tudo isso pode ser fruto do meio social, ocasionado como diz Durkheim, pelo fato social, que expressa à coerção que o meio exerce sobre os “indivíduos perfeitamente inofensivos na maior parte do tempo”.

Ao contrário de Émile Durkheim, o homem está inserido em relações contraditórias presentes na conflituosa sociedade – segundo Karl Marx. Os conflitos que permeiam a sociedade resultam do processo de produção onde aqueles que detêm os meios de produção se impõem através da ideologia. Não esqueçamos que as ideologias são pertinentes a qualquer sociedade, a qualquer espaço de tempo é história. Umas mais avançadas outras mais rústicas, assim caminhamos desde a existência da humanidade, em que convivemos sempre com as contradições; mas não podemos fazer dessas contradições novos campos de guerra.

Um dia na campanha, andando distribuindo santinhos da minha candidatura a vereador pela cidade de Rio Branco, entrei num ateliê de costura no bairro Santa Inês pedindo voto para as pessoas que estavam dentro do estabelecimento, quando de repente uma senhora grita alto: “eu não voto em gay!”, nossa! Tomei um grande susto, se eu fosse uma pessoa esquentada, teria brigado com aquela senhora, me senti profundamente agredido naquele momento, parei, respirei, disse que ela estava no seu direito de votar ou não em um candidato gay, como também eu estava no meu direito de ser candidato. Sai do recinto como se eu não estivesse pisando no chão, gelado, nervoso. Depois de muitos anos lutando pela conquista de direitos civis a população de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Acre e Brasil, ainda me deparava com situações como aquela. Ela disse que não votava em gay, se ela parasse para pensar que nos hospitais, existe uma parcela expressiva de profissionais de saúde que são homossexuais, que atendem, cuidam, salvam vidas de muitas pessoas sem fazerem qualquer tipo de assepsia, é um dia ela que não vota em gay poderia precisar de cuidados destes mesmos profissionais, ou a sua própria vida poderia ser valva por um desses sujeitos. Sem falar que existem profissionais, educadores homossexuais, que estão todos os dias ensinando aos mais diversos alunos, inclusive quem sabe algum de seus filhos, afilhados, parentes ou vizinhos.

Se há pessoas, milhares delas que não votaram em mim por eu ser gay, imagina se elas aceitam que seus filhos possam assistir a uma aula de um professor gay ou uma professora lésbica? Existem milhares de pessoas que não querem o contato de seus filhos com professores homossexuais, muito menos que seus próprios filhos tenham colegas de sala gays. Os alunos por ventura chegam à sala de aula, instruídos inconscientemente com os preconceitos de seus pais, ou do meio em que vivem. A pesquisa divulgada pela Unesco, em 2004, identifica que 40% dos adolescentes não gostaria de estudar com homossexuais, é um dado em que não podemos deixar de enxergar. Além da problemática enfrentada do preconceito existente entre aluno contra outro aluno por ser homossexual, temos que tratar também de falar do preconceito que determinados professores tem com alunos que são homossexuais, problema este também identificado na pesquisa da UNESCO, retratando que, 60% dos professores não sabem lidar com a situação de ter um aluno homossexual.

Não existe uma faculdade especifica para formação de docentes na área da sexualidade, as pós, as especializações, os doutorados, são outros cenários, mas o que existe de fato são as matérias transversais, dos parâmetros curriculares, que não deram conta de transmitir até agora o que em 10 de dezembro de 1948, foi assinado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo II “Que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. Uma pessoa que tem o seu direito privado de sobrevivência em ser respeitado na sua diferença conhece a dor de ser discriminado.

O movimento nacional LGBT (lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) , reconhece através de seus estudos é esforços a grande discriminação que jovens estudantes sentem nas escolas por serem homossexuais. Entendem que tanto professores é alunos precisam de informação, necessitando de capacitação, para desmistificar o preconceito existente a alunos LGBTs. As capacitações são necessárias para que o aparelho escolar possa conviver pacificamente com uma nova realidade em sala de aula, onde existem adolescentes travestis, meninas lésbicas, rapazes gays e filhos de pais homossexuais. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT lançou neste ano de 2009, um desafio para as suas afiliadas nos estados, a estarem discutindo dentro das suas programações anuais da diversidade, com a sociedade Por Uma Escola Sem Homofobia. Uma campanha voltada no enfrentamento ao preconceito, arrolado nas mais diversas proporções no ambiente escolar.

A ANTRA – Associação Nacional das Travestis, portadora de diversas pesquisas realizadas nas Paradas do Orgulho LGBTs no Brasil, identificou que o aluno que mais sofre com o preconceito na escola, é o estudante travesti ou a transexual, pois é muito complicado para um professor saber lidar com um aluno que num ano letivo se veste como Francisco, é no outro ano está vestido como Fernanda. Para o professor é os outros estudantes isso causa sérios problemas, desde qual será o banheiro que este aluno travesti poderá usar, ou o nome pelo qual será chamado, se Francisco ou Fernanda?

Uma escola sem homofobia é uma escola onde verdadeiramente se preza pela igualdade de direitos.



* Estudante de Ciências Sociais,
pai-de-santo, ex-candidato a vereador
e militante em direitos humanos

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