domingo, agosto 02, 2009

EDUCAÇÃO - HOMOFOBIA NA ESCOLA

Goiânia, 2 de agosto de 2009










“Quem pensa que o preconceito só acontece na escola de ensino fundamental e nível médio está muito enganado. Já presenciei na faculdade professores mestres e doutores fazendo piadinhas homofóbicas. O cúmulo foi um professor doutor em enfermagem que afirmou durante uma aula que a homossexualidade era doença.”
ROBERTO (nome fictício), 26 anos
AULA DE INTOLERÂNCIA

Pedagogia da dor

Pesquisa inédita no País revela que 87,3% da comunidade escolar tem preconceito contra homossexuais. Perseguição começa na infância e pode deixar sequelas graves

Renato Queiroz

No mundo dos pequenos o preconceito é grande. A escola – que tem a função social de fazer o aluno ser capaz de acompanhar os processos de mudança na sociedade – foi reprovada no quesito respeito à diversidade. Nos colégios públicos do País, 87,3% da comunidade escolar – sejam alunos, pais, professores ou servidores – têm algum grau de preconceito contra homossexuais. Foi o que constatou o estudo Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Nas entrevistas realizadas com 18,5 mil alunos, pais, professores, diretores e funcionários de 501 unidades de ensino público de todo o País, 98,9% declararam querer manter distância de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT). O estudo inédito no Brasil comprovou com dados científicos o que o senso comum já sabia: as escolas não estão preparadas para lidar com alunos gays.

O preconceito, quando nasce na infância, se esparrama por toda a vida e pode deixar sequelas graves. Relatos de perseguições, humilhações, violência física e simbólica em escolas, espaço onde isso poderia ser combatido, são comuns entre os LGBTs.

“Os jovens homossexuais sofrem muito na escola, principalmente porque os professores, como a maioria da população brasileira, não têm nenhum conhecimento sobre diversidade sexual nem sobre questões de identidade de gênero”, explica a pesquisadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) Edith Modesto. Ela é presidente da Associação Brasileira de Pais e Mães de Homossexuais (GPH), que atende homens e mulheres que sofrem e têm dúvidas em relação à homossexualidade de seus filhos – um trabalho único no Brasil.

A associação mantém um grupo de capacitação de professores para lutarem contra os preconceitos, entre eles, a homofobia, a aversão a homossexuais. Edith lembra o caso recente de uma transexual – um menino que se sente e age como menina –, de 15 anos, recusada em sete escolas particulares de São Paulo. “Na oitava, apesar da diretoria divulgar que era uma escola inclusiva, a aluna foi discriminada de várias formas: nome masculino na chamada, teve de usar o banheiro de deficientes e não podia usar roupas femininas”, conta. Por intermédio da associação, uma escola pública aceitou a aluna, respeitando seus direitos como jovem cidadã.

Tolerância
Em 17 de maio de 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como doença. A atitude foi crucial para sinalizar ao mundo que, pela ótica médica e científica, ser gay ou lésbica é uma coisa normal. A escola, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que define e regulariza o sistema de educação brasileiro, deveria ser um local de “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. Porém, não é o que vem ocorrendo, admite a professora e secretária estadual de Educação de Goiás, Milca Severino.

“A escola é um espelho do que está fora dos seus muros. O preconceito, não apenas o contra a orientação sexual, é muito evidente para nós educadores. A homofobia faz parte da cultura machista do País”, explica a secretária.

De acordo com Milca, a secretaria desenvolve ações para preparar melhor o trabalhador da educação para lidar com as diferenças. “Mas sabemos que estamos longe do desejado. A forte influência religiosa desvirtuada ainda é um problema”, analisa Milca, que lembra que a Bíblia prega a fraternidade e o amor. “Uma coisa é não adotar, outra é condenar.”

Discriminação
Ex-professora de uma escola de orientação religiosa, Simone (nome fictício) cansou de ouvir dos alunos coisas do tipo “Deus e a igreja condenam essa gente (gays), eles não deviam vir estudar conosco”. Em uma de suas salas havia um casal de garotas gays, alvo constante de discriminações. Uma delas era a melhor aluna da sala.

“A maledicência se misturava com a inveja e ela estava sempre sozinha e introspectiva. Ela tinha muita revolta e só queria sair dali. Era uma aluna brilhante, sensível e que sofria muito em casa e na escola.” Hoje, a ex-aluna é uma médica pediatra de sucesso na cidade que ainda faz terapia para superar os traumas da juventude marcada pelo preconceito.

Para a ex-professora, as escolas podem, sim, contribuir para acabar com a homofobia, mas o cerne da questão está na educação em casa, na família. “Filhos que veem os pais sendo preconceituosos repetem esse comportamento”, diz ela, que nunca assumiu sua própria homossexualidade na escola por medo de perder o emprego.

Preconceito no olhar

Travestis e transexuais costumam ser alvos preferenciais de discriminação no ambiente escolar. Em Goiás, eles já conquistaram o direito de ser chamados pelo nome social

Renato Queiroz

O professor começa a chamada: “Adelaide. Bernardo. Cristiane. Diego.” Uma voz de um corpo feminino responde “presente”. Começam os risinhos por toda sala. Às vezes até o professor, que insiste em chamar a aluna de “senhor”, ri. Travestis, pessoas que se vestem como o sexo oposto, e transexuais, pessoas que se autoidentificam com o sexo oposto ao seu sexo anatômico, são as maiores vítimas da homofobia dentro da escola. Ao contrário de alguns alunos gays e lésbicas, eles não conseguem esconder visualmente o que são.

O preconceito começa no olhar. Muitas vezes surge justamente de quem teria de lutar contra ele, os professores. Para fugir da discriminação, muitas vezes a saída é abandonar os estudos. “Noventa por cento dos travestis de Goiânia estão fora da escola. Vinte e sete por cento sabem escrever apenas o nome”, revela a psicóloga e transexual Beth Fernandes, coordenadora geral do Fórum de Transexuais de Goiânia. Desde abril deste ano, travestis e transexuais conquistaram em Goiás o direito de serem chamados pelo nome social em diários de classe e outros documentos escolares.

Foi o que garantiu uma resolução aprovada pelo Conselho Estadual de Educação (CEE). A medida vale para as escolas de educação básica das redes estadual e particular de todo o Estado e das municipais, nas localidades onde não existir o Conselho Municipal de Educação. Para Beth, ela mesma vítima de preconceito do ensino fundamental à pós-graduação, a medida é uma conquista importante, mas não basta.

Quando pequena, a psicóloga chocou uma professora da 1ª série do ensino fundamental que perguntava a seus alunos o que eles iriam ser quando crescerem. Entre as respostas esperadas como “médico” e “aeromoça”, Beth, então um menino com 7 anos, soltou: “Quero ser mulher.” A declaração causou uma revolução na escola. Por isso, o menino e seus irmãos tiveram de procurar outro lugar para estudar. Mas o desejo do menino virou realidade.

Há dois anos Beth Fernandes fez cirurgia de mudança de sexo e conseguiu trocar seu nome na carteira de identidade. Diferentemente do que ocorre na maioria dos casos, com muito esforço, Beth não deixou os estudos e conseguiu fugiu das ruas e da prostituição. Para ela, apesar da importância fundamental da escola na formação dos cidadãos, um adulto civilizado, que tolera a diversidade, nasce dentro de casa.

Visibilidade
À medida que a visibilidade dos homossexuais cresce, a reação homofóbica também. Parece haver menos pudor hoje em admitir preconceito contra gays do que no passado, acredita o jornalista Deco Ribeiro, criador do site E-Jovem (www.e-jovem.com), de orientação a adolescentes gays. “Se antes os homofóbicos não eram obrigados a se manifestar porque gays viviam escondidos, agora eles estão em toda parte. E o ódio aparece com mais intensidade.” O resultado da pesquisa não chega a surpreendê-lo. “A escola é a grande reprodutora do sistema machista e homofóbico em que vivemos. Ela não forma para a mudança. Forma para a continuação. Quem precisa mudar a escola somos nós”, defende.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República lançou, neste ano, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, com 50 diretrizes e ações necessárias para garantir a igualdade de direitos e o pleno exercício da cidadania a esse segmento da sociedade. No entanto, segundo os especialistas ouvidos pelo POPULAR, a escola avança de forma muito mais lenta no enfrentamento da homofobia, e as consequências disso podem ser decisivas no desempenho escolar e para a autoestima dos estudantes.

“A escola ainda é um ambiente heteronormativo com espaços definidos como abertos somente para pessoas de orientação sexual heterossexual. Isso acontece porque professores tentam manter os padrões culturais conservadores e opressores da sociedade. Não se percebe que estudantes têm sexualidade e que o local de aprender a lidar e respeitar as diversidades é na escola”, afirma Léo Mendes, secretário de comunicação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Para os militantes, as objeções a homossexuais são reforçadas por instituições que transpiram autoridade, como as religiosas. Talvez isso explique por que a comunidade escolar não se sinta culpada em admitir que querem manter distância de quem é ou parece ser homossexual.

Professores não têm preparo para lidar com situação, diz socióloga
Para a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de pesquisa da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, os professores não têm informação suficiente para lidar com a questão da homossexualidade. “Há um problema na formação do professor. Ele se foca muito naquilo que vai ensinar, nas técnicas, mas pouco aprende sobre o que está acontecendo na sociedade. O tema da diversidade é pouco discutido nas faculdades de educação”, diz.

Miriam coordenou uma pesquisa sobre a homofobia na rede escolar no Distrito Federal. Ser ou parecer homossexual é a principal causa de discriminação presenciada pelos alunos. Mais da metade (63,1%) disse ter visto pessoas tidas como homossexuais sofrerem preconceito.

Para a pesquisadora, a grande diferença entre o preconceito racial, outro grande problema nas escolas, e a homofobia é que o racismo é uma questão mais bem trabalhada. “Todo preconceito é grave, mas a homofobia é uma coisa mais velada.” A homofobia é uma experiência de extrema solidão porque os espaços que seriam de proteção social, como a escola e a família, mantêm a dinâmica homofóbica do silêncio. Até os livros didáticos ignoram a temática da homossexualidade, revelou um estudo financiado pelo Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde.

Outra diferença é que um aluno negro discriminado quase sempre terá o apoio familiar para enfrentar a situação. Com os gays isso nem sempre acontece.

“Nem tinha certeza da minha orientação sexual e já sofria preconceito na escola. Piadinhas e chacotas fazem parte do meu cotidiano desde os 14 anos. Quando fui buscar apoio familiar, a coisa piorou. Tive de sair de casa e do colégio”, conta Daruska Iglesias, de 20 anos, estudante do 1º ano do ensino médio. Hoje ela milita pela causa gay no grupo Colcha de Retalhos – A UFG Saindo do Armário, criado por estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG). Eles lutam para mudar o quadro de intolerância e despreparo que toma conta do ambiente escolar.

fONTE:http://www.opopular.com.br/ DIA 02 DE AGOSTO DE 2009

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