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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
– DD CARLOS BRITTO - RELATOR DA ADPF 132
CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos
qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP,
inscrita no CNPJ sob nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Pamplona, 1197,
casa 4, São Paulo/SP, por meio de seu programa de justiça Artigo 1º,
representada por seu Diretor Executivo e bastante representante nos termos de
seu Estatuto Social, Dr. Oscar Vilhena Vieira, (docs. 1 e 2),
EDH - ESCRITÓRIO DE DIREITOS HUMANOS DO ESTADO DE MINAS
GERAIS, programa instituído pelo Decreto Estadual 43.685 de 2003, sob a
coordenação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes de
Minas Gerais e pela Defensoria Pública Estadual de Minas Gerais, por sua
coordenador e bastante represente legal, Sr. Mariana Septimio (doc. 3);
GGB – GRUPO GAY DA BAHIA, pessoa jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, constituída na forma da lei, registrada no CNPJ sob o nº
13.220.876/0001-95, com sede na Rua Frei Vicente, 24, Pelourinho,
Salvador/Bahia, representada neste ato por seu Presidente e bastante
representante legal nos termos do estatuto social, Sr. Marcelo Ferreira Cerqueira
(docs. 4 e 5); vêm respeitosamente à presença de V. Exa., por seus advogados
constituídos (doc. 6), com fundamento no § 2º do artigo 6º da Lei 9.882/99 e §2º
do artigo 7º da Lei 9.868/99, manifestar-se na qualidade de
Amici Curiae na argüição de descumprimento de preceito fundamental
ADPF 132
ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, em face de atos lesivos
interpretativos e decisões judiciais que excluem benefícios do Decreto-Lei
220/75 (Estatuto do Servidor Público do Estado do Rio de Janeiro) aos casais
homossexuais, nos termos e razões a seguir expostos:
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I. DA LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES PARA SE
MANIFESTAREM COMO AMICI CURIAE NA PRESENTE
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL 132
O instituto do amicus curiae teve sua inserção formal na legislação processual
constitucional com as leis 9.868/99 e 9.882/99, que dispõem sobre o trâmite das
ações declaratórias de inconstitucionalidade e das argüições de descumprimento
de preceito fundamental, respectivamente. Desde a edição de tais leis, inúmeros
memoriais, pareceres, arrazoados e documentos foram admitidos por este
Egrégio Supremo Tribunal Federal e juntados aos processos de controle
concentrado de constitucionalidade.
No que se refere às argüições de descumprimento de preceito fundamental, a lei
dispõe nos seguintes termos:
Art. 6º, Lei 9.882/99: (...)
§1º. Se entender necessário, poderá o relator ouvir
as partes nos processos que ensejaram a argüição,
requisitar informações adicionais, designar perito ou
comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em
audiência pública, de pessoas com experiência e
autoridade na matéria.
§2º. Poderão ser autorizadas, a critério do relator,
sustentação oral e juntada de memoriais, por
requerimento dos interessados no processo.
No entendimento deste Egrégio Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de
manifestação da sociedade civil em tais processos tem o objetivo de
democratizar o controle concentrado de constitucionalidade, oferecendo-se
novos elementos para os julgamentos.
É o que se depreende da ementa de julgamento da ADIn 2130-3/SC:
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“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS
CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART.
7º, § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA
ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO SISTEMA
DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE
ADMISSÃO DEFERIDO.
- No estatuto que rege o sistema de controle
normativo abstrato de constitucionalidade, o
ordenamento positivo brasileiro processualizou a
figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, §
2º), permitindo que terceiros - desde que investidos
de representatividade adequada - possam ser
admitidos na relação processual, para efeito de
manifestação sobre a questão de direito subjacente
à própria controvérsia constitucional.
- A admissão de terceiro, na condição de amicus
curiae, no processo objetivo de controle
normativo abstrato, qualifica-se como fator de
legitimação social das decisões da Suprema
Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois
viabiliza, em obséquio ao postulado
democrático, a abertura do processo de
fiscalização concentrada de
constitucionalidade, em ordem a permitir que
nele se realize, sempre sob uma perspectiva
eminentemente pluralística, a possibilidade de
participação formal de entidades e de
instituições que efetivamente representem os
interesses gerais da coletividade ou que
expressem os valores essenciais e relevantes
de grupos, classes ou estratos sociais.
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Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº
9.868/99 - que contém a base normativa
legitimadora da intervenção processual do amicus
curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o
debate constitucional.” (grifamos)
De fato, com a possibilidade de manifestações da sociedade civil nas ações de
controle concentrado de constitucionalidade, busca-se a representação da
pluralidade e diversidade sociais nas razões e argumentos a serem
considerados por este Egrégio Supremo Tribunal Federal, conferindo,
inegavelmente, maior qualidade nas decisões.
Este posicionamento de ampliação de acesso ao Supremo Tribunal Federal tem
se refletido no número de amici curiae protocolados, bem como na diversidade
de atores proponentes. De fato, mais de 70% dos amici são protocolados por
atores da sociedade civil, e cerca de 19% por organizações de defesa de
direitos1, como as que ora se manifestam.
Desta forma, diante da previsão legal e da construção jurisprudencial acerca dos
limites da possibilidade de manifestações de organizações da sociedade civil na
qualidade de amicus curiae nas ações de controle concentrado, depreendem-se
alguns aspectos principais, quais sejam: a relevância da matéria discutida, no
sentido de seu impacto sócio-político; a representatividade e legitimidade
material dos postulantes e a pertinência dos argumentos apresentados, cabendo
ao Relator do processo a análise de sua admissibilidade dentro destes
parâmetros.
Estão presentes, no caso, ambos os requisitos para admissão deste amici
curiae: a relevância da matéria é fica evidente tanto pela legitimidade da
demanda, fundada em princípios de igualdade e liberdade, como também pelo
impacto que a decisão terá em considerável parcela da população brasileira; a
representatividade dos postulantes, por sua vez, fica afirmada pela sua missão
1 Pesquisa desenvolvida em dissertação de mestrado Sociedade civil e democracia: a participação
da sociedade civil como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal, de Eloísa Machado de
Almeida.
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institucional e pelo reconhecido trabalho na área de proteção e garantia de
direitos fundamentais.
A Conectas foi fundada em 2001 com a missão de fortalecer e promover o
respeito aos direitos humanos no Brasil e no hemisfério Sul, dedicando-se, para
tanto, à educação em direitos humanos, à advocacia estratégica e à promoção
do diálogo entre sociedade civil, universidades e agências internacionais
envolvidas na defesa destes direitos.
Tem como objetivo estatutário, em especial, a promoção da ética, da paz, da
cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais,
bem como a promoção de direitos estabelecidos, por meio da prestação de
assessoria jurídica gratuita, tendo, inclusive, quando possível e necessário, a
capacidade de propor ações representativas (www.conectas.org).
Por meio de seu programa de justiça Artigo 1º, a Conectas promove advocacia
estratégica em direitos humanos, em âmbito nacional e internacional, com o
objetivo de alterar as práticas institucionais e sociais que desencadeiam
sistemáticas violações de direitos humanos. É hoje a organização com maior
número de amicus curiae frente a este Supremo Tribunal Federal.
O EDH é um programa criado no Estado de Minas Gerais a fim de promover e
proteger os direitos humanos, aproximando o Estado com a comunidade e
garantindo o acesso dos cidadãos à justiça. Busca-se, por meio de atividades de
estímulo à organização popular, educação em direitos humanos e judicialização
de ações individuais e coletivas, capacitar de estudantes de direito para atuar
profissionalmente na defesa dos direitos humanos, buscando a efetivação do
Programa Mineiro de Direitos Humanos.
O GGB foi fundado em 1980 com a missão de discutir e aprofundar a questão
homossexual; lutar pela cidadania plena dos gays, lésbica, travestis e
transexuais; mobilizar e conscientizar a população homossexual de seus
direitos, lutando pela não-discriminação e preconceitos. Para atingir seus
objetivos, o GGB desenvolve atividades de pesquisa e amplia sua missão
6
através do Centro de Estudos da Homossexualidade, Centro Baiano Anti-Aids,
Associação Postal Gay da Bahia, Cine Clube Gay do Brasil, Associação de Pais
e Mães Homossexuais, Associação Brasileira de Parentes e Amigos de
Homossexuais, Associação de Travestis e Transformistas de Salvador,
Quimbanda Dudu (Grupo Gay Negro do Brasil) e Grupo de Lésbicas da Bahia,
todos vinculados estatutariamente ao GGB (www.ggb.org.br).
Restam, desde modo, devidamente demonstrados os requisitos necessários
para a admissão da presente manifestação na qualidade de amici curiae, quais
sejam: relevância da matéria discutida e representatividade dos postulantes.
Vale destacar que a organização CONECTAS já teve sua admissibilidade
analisada na recentíssima argüição de descumprimento de preceito fundamental
71, com base no artigo 6º da Lei 9.882/99:
“Junte-se aos autos a petição nº. 2430/2005. Em
face do artigo 6º, §1º, da Lei 9.882, de 3 de
dezembro de 1999, admito a manifestação de
Conectas Direitos Humanos, (...) que intervirão no
feito na condição de amici curiae. À autuação para
a inclusão dos nomes dos interessados”.
(27/05/2005) (grifamos)
II. OBJETO DA PRESENTE ARGUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO
PROBLEMA
A presente argüição de descumprimento de preceito fundamental foi proposta
para sustar e remediar lesões decorrentes de interpretação dos artigos 19, II e V
e 33, I a X e parágrafo único do Decreto-Lei 220/75 (Estatuto dos Servidores
Públicos do Estado do Rio de Janeiro) e das decisões dos tribunais estaduais do
mesmo Estado que neguem às uniões homossexuais o mesmo regime jurídico
das uniões estáveis.
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De acordo com o Decreto-lei 220/75, fica autorizada a concessão de licença ao
servidor que tiver pessoa com doença na família (art. 19, II) e para acompanhar
cônjuge, que em função pública ou particular com vínculo empregatício, seja
enviado para trabalhar em outras localidades (art. 19, V).
Prevê, ainda, as hipóteses de concessão de benefícios de previdência e
assistência social ao servidor e a sua família (art. 33). É a seguinte a redação do
Decreto-lei:
Art. 19 – Conceder-se-á licença:
(...)
II -por motivo de doença em pessoa da família,
com vencimento e vantagens integrais nos
primeiros 12 (doze) meses; e, com dois terços, por
outros 12 (doze) meses, no máximo;
(...)
V - sem vencimento, para acompanhar o cônjuge
eleito para o Congresso Nacional ou mandado
servir em outras localidades se militar, servidor
público ou com vínculo empregatício em empresa
estadual ou particular;
Art. 33 – o Poder Executivo disciplinará a
previdência e a assistência ao funcionário e à sua
família, compreendendo:
I - salário-família;
II - auxílio-doença;
III - assistência médica, farmacêutica, dentária e
hospitalar;
IV - financiamento imobiliário;
V - auxílio-moradia;
VI - auxílio para a educação dos dependentes;
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VII - tratamento por acidente em serviço, doença
profissional ou internação compulsória para
tratamento psiquiátrico;
VIII - auxílio-funeral, com base no vencimento,
remuneração ou provento;
IX - pensão em caso de morte por acidente em
serviço ou doença profissional;
X - plano de seguro compulsório para
complementação de proventos e pensões.
Parágrafo único – A família do funcionário constituise
dos dependentes que, necessária e
comprovadamente, vivam a suas expensas.
(grifamos)
Percebe-se, pela leitura dos artigos supra transcritos, que a lesão ao preceito
fundamental atacada nesta ADPF consiste na exclusão dos casais
homossexuais dos direitos e benefícios reconhecidos aos casais heterossexuais
formados em casamento ou união estável.
No entanto, tal lesão não se encontra aparente na lei, mas sim na interpretação
que lhe é conferida, pelos tribunais e pelos órgãos da administração estadual,
impossibilitando aos casais homossexuais as licenças, direitos e benefícios, em
razão de não serem considerados como uma família, ou na figura do cônjuge
como traz a lei.
A questão central que se coloca nesta arguição, desta forma, é se a Constituição
Federal autoriza a exclusão dos casais homossexuais como sujeitos de direitos,
para fins de assistência e previdência, na forma do Decreto-lei 220/75.
A resposta nos parece simples: a Constituição não permite qualquer tipo de
discriminação e, portanto, supressão do gozo de direitos, que tome por critério a
orientação sexual dos indivíduos.
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III. RECONHECIMENTO E DIREITOS DE CASAIS HOMOSSEXUAIS
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A presente argüição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 132 traz
a esta arena institucional, o relevante e, por que não dizer, tardio pleito sobre
igualdade de direitos e benefícios entre casais homossexuais e heterossexuais.
Embora a Constituição de 1988 não tenha feito referencia expressa à união
homoafetiva, estabelece como princípios estruturantes de nossa ordem jurídica
os valores da liberdade, igualdade e do pluralismo. Estes princípios impõem
reconhecimento da união homoafetiva no seio de nossa jurídica constitucional.
Em princípio, há que se afirmar que o pluralismo é um valor de nossa sociedade,
reconhecido e fundado em nossa Constituição. Já no preâmbulo este valor
aparece, como um dos objetivos da sociedade brasileira:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos (...)” (grifamos)
Ao reconhecer o pluralismo como princípio constitucional, nossa carta Magna
impõe ao Estado brasileiro não apenas a obrigação de não discriminar, mas
também de atuar para que as diversas opiniões políticas e os diferentes
comportamentos culturais e sociais possam coexistir em harmonia e respeito
recíprocos.
Em razão de reconhecer-se como uma sociedade pluralista, a Constituição
Federal assegura que opiniões, posturas e comportamentos dissonantes não
possa, ser suprimidos. O pluralismo significa antes de tudo o reconhecimento de
10
que embora as pessoas sejam distintas; tenham comportamentos e padrões
culturais – ou mesmo sexuais – distintos, devem ser reconhecidos como sujeitos
de iguais direitos e consideração.
Assim, para que o pluralismo almejado seja assegurado no cotidiano, é preciso
que as liberdades fundamentais e a igualdade formal e material sejam
garantidas a todos, indiscriminadamente. É por esta razão que a Constituição
veda qualquer tipo de discriminação, preconceito ou desigualação injustificada,
que tenha por finalidade excluir alguma pessoa ou grupo do exercício dos
direitos fundamentais assegurados aos demais membros da comunidade.
Nas palavras de LOPES:
“O pluralismo, por seu turno, diz que o fundamento
da convivência política no Brasil é a tolerância
recíproca. (...) são indicações básicas (até
elementares) de que a democracia brasileira, vale
dizer, o sistema jurídico público no Brasil, adota as
precauções necessárias para que não seja
permitida entre grupos sociais a intolerância ou a
opressão social. Nosso sistema jurídico garante e
valoriza a pluralidade de formas de vida e de
pensamento, e não legitima que o Estado patrocine
a uniformização, o conformismo e a submissão (...)
Em uma ordem democrática, essa discriminação
sexual é juridicamente ilícita ”. (LOPES, José
Reinaldo Lima, “O direito ao reconhecimento para
gays e lésbicas”, in SUR Revista Internacional de
Direitos Humanos, número 2, p. 78, também
disponível em www.surjournal.org - grifamos).
Pois bem. A expressão “pluralismo político”, inserta no artigo 1º, inciso V da
Constituição, como um dos fundamentos da República, não se restringe apenas
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à pluralidade partidária, abrangendo também toda a diversidade cultural e social.
Nos dizeres de Mendes e Coelho e Branco :
“Embora a Constituição brasileira, assim como
tantas outras, utilize a expressão pluralismo
agregando-lhe o adjetivo político, fato que à
primeira vista poderia sugerir tratar-se de um
princípio que se refere apenas a preferências
políticas e/ou ideológicas, em verdade a sua
abrangência é muito maior, significando pluralismo
na polis, ou seja, um direito fundamental à
diferença em todos os âmbitos e expressões da
convivência humana – tanto nas escolhas de
natureza política quanto nas de caráter
religioso, econômico, social e cultural, entre
outras -, um valor fundamental (...)”. (MENDES,
Gilmar, COELHO, Inocêncio, BRANCO, Paulo
Gustavo, in Curso de Direito Constitucional, Ed.
Saraiva, São Paulo, 2007, p. 146 - grifamos).
E complementam:
“(...) falar em pluralismo político significa dizer que
(...) o indivíduo é livre para se autodeterminar e
levar sua vida como bem lhe aprouver. Imune a
intromissões de terceiros, seja elas provenientes do
Estado, por tendencialmente invasor, ou mesmo
dos particulares”. (MENDES, Gilmar, COELHO,
Inocêncio, BRANCO, Paulo Gustavo, in Curso de
Direito Constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo,
2007, p. 146 - grifamos).
Desta forma, o pluralismo tem a função normogênica de assegurar o direito
fundamental à diferença, que também encontra fundamento nos princípios de
12
liberdade e da igualdade. Ninguém poderá, sob a égide de um Estado pluralista,
ser tolhido ou discriminado, pelo fato de ser diferente.
Mais uma vez recorremos a MENDES, COELHO E BRANCO:
“O mesmo se diga da idéia de tolerância – correlata
ao conceito de pluralismo -, a significar que
ninguém pode ser vítima de preconceitos, de
ódio ou de perseguição pelo simples fato de ser
diferente, como tem acontecido no curso da
História, em que pesem os esforços de quantos nos
advertem de que o normal é ser diferente e que os
traços característicos de cada individuo não devem
ser vistos como estigmas, mas, antes, como
expressão de sua metafísica singularidade2”.
(MENDES, Gilmar, COELHO, Inocêncio, BRANCO,
Paulo Gustavo, in Curso de Direito Constitucional,
Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 147 - grifamos).
Na presente argüição, pleiteia-se o reconhecimento, aos casais homossexuais,
em que haja ao menos um servidor público, os mesmos benefícios que o
Decreto-lei 220/75 estende aos casais heterossexuais, casados ou em união
estável. Analisando tal demanda à luz do princípio constitucional do pluralismo,
não haveria justificativa pertinente para não reconhecer aos casais
homossexuais tais benefícios, já que a diferença: “homossexuais versus
heterossexuais” não poderia servir de justificativa razoável para excluir aqueles
dos mesmos benefícios.
Antes o contrário. Deixar de reconhecer a extensão dos benefícios aos casais
homossexuais seria uma frontal violação às liberdades destas pessoas, bem
como um acintoso desrespeito ao direito de serem tratadas como iguais perante
a lei.
2 Os autores fazem referências, no original, a BATTISTA MODIN, “A metafísica de pessoa como
fundamento de bioética”, in Questões atuais de bioética.
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Isto porque, as pessoas têm o direito à livre manifestação de sua sexualidade,
protegida pelos direito à intimidade, à autonomia e à livre manifestação de sua
consciência. Como aponta LOPES, “é certo que o fundamento último do direito
ao reconhecimento, ou direito à diferença, como dizem alguns, é o direito
subjetivo universal de liberdade”3.
Não há, em nossa Constituição Federal, impedimento ao homossexualismo ou
restrições à livre manifestação de sexualidade; como dispõe a Constituição
Federal:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a
inviolabilidade do direito à (...) liberdade, à
igualdade (...), nos seguintes termos:
VI – é inviolável a liberdade de consciência (...);
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada
(...) (grifamos).
De fato, pelos enunciados acima, a todos é assegurado o direito à liberdade,
detalhado na autonomia de sua vida privada e de sua consciência, que se
refletem, em síntese, na proteção constitucional para que as pessoas levem
suas vidas na maneira como lhes aprouver.
É exemplar a construção feita por CANOTILHO, sobre este tema, em relação
aos preceitos da Constituição portuguesa:
“Seguramente que basta o princípio do Estado de
direito democrático e o princípio da liberdade e
autonomia pessoal, a proibição de discriminação
3 LOPES, José Reinaldo Lima, “O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas”, SUR – Revista
Internacional de Direitos Humanos, número 2, São Paulo, p. 86, também disponível em
www.surjournal.org.
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em razão de orientação sexual, o direito ao
desenvolvimento da personalidade, que lhe vai
naturalmente associado, para garantir o direito
individual de cada pessoa a estabelecer a vida
em comum com qualquer parceiro da sua
escolha (...).” (CANOTILHO, JJ Gomes,
Constituição da República Portuguesa anotada, Ed.
Coimbra e RT, São Paulo, 2007, p. 567/568 -
grifamos)
Ora, tal qual a Constituição portuguesa, a Constituição brasileira forma um
Estado democrático de direito e tem como princípio a liberdade, proibindo
qualquer forma de discriminação em razão de sexo ou orientação sexual, o que
bastaria, seguindo o ensinamento supra, para “garantir o direito individual de
cada pessoa a estabelecer a vida em comum com qualquer parceiro da sua
escolha”. 4
Pois bem. Uma vez assentado que no Brasil os indivíduos têm assegurados,
pela Constituição Federal, a liberdade para expressão e vivência de sua
sexualidade, seja ela homo ou heterossexual, esta não pode ser um fator de
discriminação.
De fato, como decorrência lógica da liberdade de orientação sexual e da
sexualidade, deve haver a plena igualdade para exercício deste direito.
Logo, aos casais homossexuais, devem ser garantidos os mesmos direitos e
benefícios que são aplicados aos casais heterossexuais, como traz o objeto
desta demanda, de uso de licença por motivos de doença na família ou para
acompanhar o cônjuge em viagem funcional, ou ainda para fins de previdência e
assistência, nos termos dos artigos 19 e 33 do Decreto-lei 220/75.
4 Assim também foi decidido na Corte Européia de Direitos Humanos, afirmando-se que a vida
privada “ se estende para além do mero ‘direito de viver como se quer, livre de publicidade, para
incluir também o direito de estabelecer e desenvolver relações com outros seres humanos,
especialmente no campo emocional, para o desenvolvimento da própria personalidade’.”, em
MENDES, COELHO E BRANCO, Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo, 2007,
p. 368.
15
É certo que a Constituição Federal traz a igualdade como fator sine qua non
para plena fruição dos direitos constitucionais. É certo também que a própria
Constituição permite a construção de mecanismos artificiais de desigualação,
mas o faz tão somente quando os critérios discriminatórios são razoáveis, isto é,
quando guardam pertinência lógica com a disparidade de tratamento
estabelecida (STF ADI 1355).
É vasta a construção jurisprudencial desta Corte sobre o tema; no entanto, é
sólido o posicionamento de que merece estar absolutamente demonstrada a
adequação do fator de discrimen.
“A lei pode, sem violação do princípio da igualdade,
distinguir situações, a fim de conferir a um
tratamento diverso do que atribui a outra. Para que
possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se
manifeste, é necessário que a discriminação
guarde compatibilidade com o conteúdo do
princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer
exigências de qualificação técnica e econômica que
não sejam indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações. A discriminação, no
julgamento da concorrência, que exceda essa
limitação é inadmissível.” (ADI 2.716, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 29-11-07, DJE de 7-3-08 -
grifamos)
“(...) O atentado à isonomia consiste em se tratar
desigualmente situações iguais, ou em se tratar
igualmente situações diferenciadas, de forma
arbitrária e não fundamentada. É na busca da
isonomia que se faz necessário tratamento
diferenciado, em decorrência de situações que
16
exigem tratamento distinto, como forma de
realização da igualdade”. (RE 453.740, voto do Min.
Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-07, DJ de 24-
8-07 - grifamos)
“(...) A concreção do princípio da igualdade
reclama a prévia determinação de quais sejam
os iguais e quais os desiguais. O direito deve
distinguir pessoas e situações distintas entre si, a
fim de conferir tratamentos normativos diversos a
pessoas e a situações que não sejam iguais. Os
atos normativos podem, sem violação do princípio
da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a
um tratamento diverso do que atribui a outra. É
necessário que a discriminação guarde
compatibilidade com o conteúdo do princípio." (ADI
3.305, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 13-9-06,
DJ de 24-11-06 - grifamos)
Ora, se é necessário que a discriminação, para que seja válida, tenha por
objetivo criar uma situação material de igualdade em cenário que assim exija,
não há como justificar a negativa de extensão de benefícios aos casais
homossexuais.
Qual seria o elemento de ordem fática a permitir a desigualação de casais
homossexuais, considerando-se que possuem a liberdade para plena
manifestação de sua sexualidade?
A resposta, Excelências, não existe. Não há fator razoável, moral, pratica
ou juridicamente, que autorize a negativa de fruição dos mesmos
benefícios que os casais heterossexuais têm acesso.
É proibida, em nossa ordem constitucional, toda forma de discriminação com
base em sexo, origem, raça, cor, idade, ou qualquer outro fator (artigo 3º, IV,
17
CF/88), salvo se para construir um cenário de igualdade de fato, material, como
ocorre com as ações afirmativas – o que não é aplicável ao presente caso.
De fato, o que ocorre ao negarem-se aos casais homossexuais os mesmos
benefícios dos casais heterossexuais, casados ou em união estável, é puro e
simples preconceito, discriminação, em evidente violação da Constituição
Federal.
Aponta CANOTILHO:
“A base constitucional do princípio da igualdade é a
igual dignidade social de todos os cidadãos – que,
aliás, não é mais do que um corolário da igaul
dignidade humana de todas as pessoas -, cujo
sentido imediato consiste na proclamação da
idêntica ‘validade cívica’ de todos os cidadãos,
independentemente da sua inserção econômica,
social, cultural e política, proibindo desde logo
formas de tratamento ou de consideração social
discriminatórias. O princípio da igualdade é, assim,
não apenas um princípio de disciplina das relações
entre o cidadão e o Estado (ou equiparadas), mas
também uma regra de estatuto social dos cidadãos,
um princípio de conformação social e de
qualificação da posição de cada cidadão na
coletividade”. (CANOTILHO, JJ Gomes,
Constituição da República Portuguesa anotada, Ed.
Coimbra e RT, São Paulo, 2007, p. 337/338 -
grifamos)
Esta ausência de reconhecimento dos casais homossexuais aos mesmos
direitos dos casais heterossexuais, além de criar uma casta de cidadãos de
segunda classe, coloca-os num limbo de não-proteção jurídica, desqualificandoos
na sociedade.
18
São discriminações, assim, que surtem um duplo e perverso efeito: violam
os direitos na perspectiva individual e coletiva dos homossexuais; e
autorizam a sociedade a perpetuar um contexto de exclusão e de violência
que caracterizam os crimes de ódio.
Neste sentido dispõe LOPES:
“A negação de direitos, os discursos que
publicamente afirmam que não se pode condenar
os homossexuais, mas que também não se deve
estimulá-los, têm como resultado o estímulo
contrário, isto é, o estímulo a violências físicas e
morais contra eles. Já que não podem ter direitos
iguais, a mensagem enviada pelos juristas que
assim se pronunciam é de reforço dos
preconceitos e idéias pseudocientíficas divulgadas
aqui e ali. É uma mensagem de desigualdade”.
(LOPES, José Reinaldo Lima, “O direito ao
reconhecimento para gays e lésbicas”, in SUR
Revista Internacional de Direitos Humanos, número
2, p. 77, também disponível em www.surjournal.org
- grifamos)
Talvez seja justamente pela ausência de reconhecimento jurídico dos
homossexuais, como sujeitos plenos de direitos, que a violência contra este
grupo se perpetue nos últimos anos.
Dados oficiais do Ministério da Justiça e do Grupo Gay da Bahia indicam que
668 homossexuais foram vítimas de assassinados, em razão de sua orientação
sexual, nos últimos 5 anos.
19
Homossexuais assassinados no Brasil 2002 – 2007 por estado da federação
Estado 2002* 2003* 2004* 2005* 2006** 2007**
Espírito Santo 02 04 01 01 01 05
Minas Gerais 06 05 10 02 03 05
Rio de Janeiro 03 08 15 12 08 04
São Paulo 19 26 19 09 01 07
Paraná 02 02 09 02 07 03
Rio Grande do Sul - 01 01 02 - -
Santa Catarina 04 01 04 04 03 01
Distrito Federal - 03 01 0 - 02
Goiás - 03 01 07 08 04
Mato Grosso - 03 01 04 02 05
Mato Grosso do Sul - 03 01 01 05 04
Acre - - - - - 02
Amapá - - - - -
Amazonas 12 07 13 03 03 03
Pará 02 02 05 01 02 02
Rondônia 01 - - - 01 -
Roraima - - - - - -
Tocantins - - - 02 01 01
Alagoas 02 - 01 - 05 08
Bahia 20 22 08 07 13 18
Ceará 03 06 04 06 06 03
Maranhão 01 01 05 04 01 07
Paraíba 01 09 13 03 01 05
Pernambuco 16 20 19 05 08 17
Piauí 05 02 04 - 02 02
Rio Grande do Norte 02 08 06 01 02 10
Sergipe - 02 - 02 01 03
ING 01
Brasil 101 138 141 78 88 122
* Dados do 3º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil – 2002/2005
** Dados do Relatório Assassinatos de Homossexuais no Brasil 2006 e 2007 – GGB
Além dos assassinatos, os números referentes à discriminação, atentados à
integridade física e ofensas morais são altíssimos dentre a população
homossexual. Resultados de pesquisa feita no Rio de Janeiro apontam que
“60% dos entrevistados já tinham sido vítimas de algum tipo de agressão
motivada pela orientação sexual, confirmando assim que a homofobia se
reproduz sob múltiplas formas e em proporções muito significativas”. Sobre as
formas de agressão, 16.6% foram vítimas de agressão física; 18% já sofreram
chantagem e extorsão e 56.3% declararam já haver passado pela experiência de
ofensas verbais. Ademais, 58.5% declararam já haver experimentado
discriminação ou humilhação em razão de sua orientação sexual5.
5 Em Política, Direitos, Violência e Homossexualidade, coord. CARRARA, Sérgio, RAMOS,
Silvia e CAETANO, Marcio, Pallas. Realização Grupo Arco-Íris de Conscientização
20
Desta forma, é imprescindível que este Egrégio Supremo Tribunal Federal se
posicione de forma a garantir a igual fruição de direitos pelos casais
homossexuais, dando aos princípios do pluralismo, da liberdade e da igualdade
da Constituição Federal a máxima plenitude, rompendo com o atual cenário de
exclusão e violência que afeta a toda população homossexual.
IV. EXPERIÊNCIA COMPARADA: CENÁRIO INTERNACIONAL E
EXEMPLARIDADE DA DECISÃO DA CORTE SUL-AFRICANA
A maior parte dos países já aceita a homossexualidade juridicamente,
reconhecendo ao casamento e também a união de pessoas do mesmo sexo. No
entanto, ainda persistem legislações nacionais que penalizam a conduta
homossexual, com pena de morte ou prisão perpétua.
Mapa Mundi dos Direitos dos Homossexuais
Legenda
Homossexualidade legal
Casamento de pessoas do mesmo sexo
União de pessoas do mesmo sexo
Sem união de pessoas do mesmo sexo
Reconhecimento de casamento
de pessoas do mesmo sexo
Homossexualidade ilegal
Pena mínima
Pena grave
Prisão perpétua
Pena de morte
Fonte: Wikipédia
Como se pode ver no mapa acima, há países que punem a homossexualidade
com a morte ou com prisão perpétua. Não obstante, é inegável que o mundo
Homossexual, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania/UCAM e Centro Latino Americano
em Sexualidade e Direitos Humanos/IMS/UERJ Rio de Janeiro, 2002.
21
conhece um grande avanço no reconhecimento de direitos da população
homossexual, especialmente nos últimos anos.
Países que permitem a união estável entre pessoas do mesmo sexo
Holanda (2001)
Bélgica (2004)
Massachusetts (EUA) (2004)
Canadá (2005)
Espanha (2005)
Casamento
África do Sul (2006)
Dinamarca (1989)
Noruega (1993)
Suécia (1995)
Islândia (1996)
Groenlândia (1996)
Hawaii (EUA) (1996)
Reino Unido – para efeitos de emigração
(1997)
Holanda –aprovou casamento (1998)
Bélgica – aprovou casamento (1998)
França (1999)
Califórnia (EUA) (1999)
Vermont (EUA) (1999)
Alemanha (2001)
District of Columbia (EUA) (2001)
Finlândia (2002)
África do Sul (Tribunal Constitucional
obrigou o governo a legislar sobre o
casamento em 2006) (2002)
Áustria (2003)
Buenos Aires (2003)
Luxemburgo (2004)
Maine (EUA) (2004)
Connecticut (EUA) (2005)
Suíça (2005)
Reino Unido (2005)
Eslovênia (2006)
Irlanda (2006)
Cidade do México (México) (2006)
New Jersey (EUA) (2006)
República Tcheca (2006)
Hungria (Lei aprovada, mas só será
aplicada em 1 de Janeiro. Mesmos
direitos de casamento civil a casais de
sexo opostos ou do mesmo sexo, exceto
em termos de adoção e sobrenome)
(2009)
Leis que reconhecem a união entre
homossexuais, porém de forma
diferente do casamento civil entre
heterossexuais
Uruguai (2008)
Certamente o caso mais relevante no campo comparado, para iluminar a
presente argüição, é o sul-africano, por diversos motivos:
22
Em primeiro lugar pela semelhança aos dispositivos constitucionais, que embora
vedem todas as formas de discriminação, não reconheceram expressamente a
união homoafetiva. Em segundo lugar pelo fato da legislação ordinária definir o
casamento como união entre homem e mulher; finalmente há simetrias políticas
e constitucionais a serem levadas em conta. Em ambos os países os tribunais
de cúpula tem assumido um papel cada vez mais destacado na definição de
princípios ético-constitucionais voltados a assegurar direitos fundamentais.
• África do Sul, Caso Fourie6
Na África do Sul, o reconhecimento da união homoafetiva teve uma enorme
contribuição do Tribunal Constitucional.
Em dezembro de 2005, o Tribunal Constituinte sul-africano se pronunciou a favor
do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e deu prazo de um ano ao
Parlamento para modificar a lei que definia o casamento como a união entre um
homem e uma mulher. Para a Corte:
"A definição comum da lei sobre o matrimônio é
inconsistente com a Constituição e inválida na
medida em que não permite aos casais do mesmo
sexo desfrutar do status e dos benefícios que
concede aos casais heterossexuais".
A decisão confirmou sentença do Supremo Tribunal de Apelações, de novembro
de 2004, que ordenou o registro da união de Marie Fourie e Cecilia Bonthuys
nos termos da Lei do Matrimônio, de 1961, perante o Departamento de
Interesses Nacional, sob o argumento de que a definição legal do casamento
como "união entre homem e mulher" era inconstitucional. O governo apelou da
decisão.
6 Constitutional Court of South Africa, Fourie an and Anot nother v Minister of Home Affairs
and Others 20 2005 (3) SA 429 (SC SCA); 2005 (3) BCLR 241 (SCA). [Fourie (SCA).]
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O recurso de Marie Fourie e Cecilia Bonthuys para o Tribunal Constitucional
defendeu que a proibição do registro da união de duas pessoas do mesmo sexo
violaria os direitos constitucionais à igualdade, à dignidade e à vida privada,
além de incorrer em discriminação. Na África do Sul, como no Brasil, a
discriminação por orientação sexual é proibida pela Constituição7.
Neste caso, o que queriam Marie Fourie e Cecilia Bonthuys era o direito a
declarar publicamente seu comprometimento uma a outra, o reconhecimento da
união que já existia há mais de 10 anos e a aquisição de todas as
conseqüências legais (status, benefícios e responsabilidades) que afetam os
casais heterossexuais ao se casarem ou terem sua união reconhecida.
Num segundo caso, julgado no mesmo dia, Marie Fourie e Cecilia Bonthuys
questionaram o procedimento do matrimônio, na parte em que prevê que os
votos de união deveriam indagar se uma pessoa aceita a outra como ou esposa
ou como marido, na figura de mulher e homem; não incluindo a companheira ou
o companheiro homossexual8.
A Corte Constitucional, em decisão unânime, ordenou que o Parlamento
alterasse a lei do matrimonio para que a definição do casamento como “a união
entre um homem e uma mulher" fosse substituída por "a união entre duas
pessoas".
Para o Juiz Sachs, cujo voto foi acompanhado pelos outros juízes da Corte, é
papel da Corte Constitucional garantir efetividade aos direitos escritos no Bill of
Rights. A Constituição Sul Africana, promulgada em 1996, dois anos após as
7 De acordo com a seção 9(3) da Constituição Sul Africana: “The state may not unfairly
discriminate directly or indirectly against anyone on one or more grounds, including race, gender,
sex, pregnancy, marital status, ethnic or social origin, colour, sexual orientation, age, disability,
religion, conscience, belief, culture, language and birth.”
8 De acordo com a seção 30 da Lei do Matrimônio, o oficial que realizar o casamento deverá fazer
a seguinte questão: “‘Do y you, A.B., declare that as far at as you know there is no lawful
impediment to your proposed marriage with C.D. here present, and that you call all here present to
witness that you take C.D. as your lawful wife (or husband)?’, and thereupon the parties shall
give each other the right hand and the marriage officer concerned shall declare the marriage
solemnized in the following words: ‘I declare that A.B. and C.D. here present have been lawfully
m married.’”.
24
primeiras eleições democráticas no país, deixou claro na seção 9 (1) que todos
são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção perante a seção 9 (3); que
é injusta a discriminação que se basear em critérios de orientação sexual.
Se o reconhecimento público da união entre pessoas do mesmo sexo passa a
assumir importância na configuração da sociedade (importância que talvez não
existisse há dez anos atrás), é papel da Corte tornar adequadas as leis dessa
sociedade ao Bill of Rights. Ainda mais quando a aplicação da lei passa a
discriminar pessoas que têm o direito ser tratadas como iguais.
Nas palavras do próprio Juiz Sachs:
“(...) quando as leis vigentes no país não garantem
a efetividade do Bill of Rights é obrigação da Corte
Constitucional fazê-lo, seja desdobrando o
conteúdo desta legislação para fazer cumprir todos
os direitos ali presentes, seja zelando para que a
injustiça da lei seja corrigida. Ao promover o
desenvolvimento desta lei, a Corte deve sempre
zelar para que o espírito, os objetivos e as
proposições do Bill of Rights acompanhem o
desenvolvimento da sociedade. E nesse contexto,
garantir que os indivíduos sejam tratados como
iguais, apesar de suas diferenças, não é uma
questão de escolha! é uma obrigação que
prescinde qualquer orientação religiosa, política ou
ideológica!”
Com base nesse raciocínio, o juiz Sachs ordenou que o Parlamento, dentro de
um ano, modificasse a lei para adequá-la às novas demandas daquela
sociedade. Nessa proposição, o juiz é acompanhado por dez dos juízes da
Corte. O Juiz O´Regan, manifestou-se divergente em relação ao prazo dado ao
Parlamento para a redação da emenda sob o argumento de que um ano é muito
tempo para que essa sociedade continue a tolerar tratamento injusto. Com isto,
25
propôs que o próprio Tribunal ordenasse a aplicação da lei do Matrimônio
de acordo com o Bill of Rights, de maneira muito semelhante ao objeto da
presente argüição de descumprimento de preceito fundamental.
V. PEDIDO
Diante de todo o exposto, requerem as organizações:
a) que seja admitida a presente manifestação na qualidade de amici curiae
ns autos da ADPF 132;
b) que seja permitida a sustentação oral dos argumentos em plenário,
quando do julgamento da ação;
c) que, caso não acolhidos os pedidos anteriores, seja a presente petição e
documentos recebidos como memorais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
De São Paulo para Brasília, 14 de abril de 2008.
Oscar Vilhena Vieira Eloísa Machado de Almeida
OAB/SP 112.967 OAB/SP 201.790
Com a colaboração de:
Flávia Scabin
Pesquisadora
Vivian Sampaio
Estagiária
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